A minha relação com o WhatsApp começou em 2011. Minhas amigas fizeram um grupo e logo aderi para estar 24h em contato com elas, afinal, tínhamos saído da escola, estávamos na faculdade e não queríamos perder o vínculo. Para isso, nada melhor do que um aplicativo que nos prometia uma conexão eterna com direito a compartilhamento de fotos e vídeos. Instantâneo. Tudo a apenas um clique.

E de lá para cá, já se passaram cinco anos. Eu me formei na faculdade, continuo com o mesmo grupo, com as mesmas amigas, mas agora também volto o aplicativo para o uso no trabalho, são mais grupos e mais atendimento online. Facilita. Até que nos últimos tempos resolvi contar as mensagens recebidas e enviadas em um dia relativamente atribulado. Foram mais de 60 contatos com os quais me comuniquei em menos de 24h (contando que eu durmo, acordo, tomo café da manhã, banho, escovo os dentes, coloco roupa, trabalho e como nesse tempo).

Foi apenas uma constatação. Nada que fizesse romper o meu relacionamento com o Whats, afinal, pensava eu que tudo estava indo às mil maravilhas. Mas então novamente, um juiz resolveu que seria inteligente suspender o uso do aplicativo no Brasil por 72 horas. O mesmo aconteceu ano passado, e eu migrei para o Telegram. Desta vez não. Preferi me “desconectar”.

Mapa mundi dos dispositivos conectados à Internet
Mapa mundi dos dispositivos conectados à Internet

Recebi um SMS de uma amiga depois de muito tempo só recebendo mensagens de textos da Claro para cobrar o pagamento da fatura. Foi um dia diferente. O tempo passou muito mais depressa, o que achei bem estranho já que na minha percepção seria um martírio passar um dia inteiro sem o Whats. Mas, o dia passou estranhamente rápido e o rendimento não tem como comparar, foi mais produtivo.

Não é apenas que o Whats desvie a atenção do que estamos fazendo com maior frequência. Eu sei que é comum olhar para a tela de 30 em 30 segundos, para verificar se recebeu mensagem e tenho certeza que a maioria das pessoas fazem isso. Mas, no meu caso, é que como muitas demandas chegam pelo aplicativo, perdemos o senso de urgência e tudo vira ‘para ontem’.

É uma sensação de vazio sentir a ausência da luz do celular, que não está piscando porque você não tem mensagens novas para responder. Só que é também um alerta para algo que tenho tentado realocar em meus dias: esta tal da sensação de urgência.

Separados por um clique, mas ao alcance deste clique.

A minha mãe me manda mensagem de São Paulo cobrando para molhar a horta, e me levanto para fazer isso. Um jornalista me procura para tirar dúvida sobre determinado tema e eu paro de escrever uma matéria para atender. Uma selfie para despertar saudade. O grupo das meninas para o qual sempre corro para extravasar entre amigas. As correntes que saíram do Hotmail, do Orkut e agora se alastram pelo WhatsApp, do mesmo jeito que as incômodas mensagens de Bom Dia!

A minha preguiça por falar ao telefone vem do aplicativo, e sempre me pego dizendo: É só mandar pelo Whats. Por favor não me ligue, apenas me mande uma mensagem com o que você precisa. Tempos urgentes criam pessoas com a síndrome da urgência. Nada disso é para “ontem”, o mundo não vai acabar se você deixar de responder as 300 mensagens no seu Whats, você não vai contrair uma doença terminal se não migrar para o Telegram e aproveitar as 72 horas de relativa paz.

Mesmo não estando desconectada, porque quem tem aplicativo no celular do Messenger, Facebook, Gmail, não está necessariamente off-line. Só ficou a sensação de estar um pouco fora do mundo, de que a vida acontecia e eu não conseguia acompanhar plenamente. Mas é só mais uma ilusão fabricada por este mundo moderno de tempos líquidos, que nos faz crer que precisamos acompanhar todas as notícias, comprar todos os lançamentos, ter todos os aplicativos, nos socializar pela rede, para nos sentirmos inseridos.

Do mesmo jeito que a vida no mundo continuou, a minha também. Fechei um jornal, escrevi matérias, dei umas boas risadas e debati temas profundos. Cheguei em casa e minha rotina foi a mesma. A única coisa que mudou é que não me senti acelerada para levar meus braços aonde sequer alcançam. Descalcei meus sapatos, tomei um banho e pela primeira vez em muito tempo, tive a sensação de dever cumprido. Obrigada WhatsApp, agora sei que podemos ter uma relação saudável.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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