Por Andreza Pereira*

Sua cabeça se apoiava no colo da mãe do seu pai, seus pés, no colo da mãe da sua mãe. Seguiam viagem no barco. Sua avó-dos-pés tirou dela os chinelos, sua avó-da-cabeça mexia em seus cabelos. Um dia seria dela aquele cheiro de alfazema das duas e o jeito de dizer palavras mais cravado que tabuada de cinco.

A avó-dos-pés tinha trabalhado desde muito cedo antes de poder balançar-se com o mar. Criança, tinha passado roupa com ferro de brasa, enterrado semente com os pés e torcido pescoço de galinha quando gente chegasse. Queria casar e sair dali. Queria casar e ter o que é seu. Casou e era tudo branco e bordado, a avó disse. E repetiu, era tudo branco e bordado.

mar 3

A avó-da-cabeça, antes de conhecer água sem fim, morou em lugar em que louça em banheiro não se conhecia e panela era areada até reluzir. Dispostas nas prateleiras da sala rebocada, eram prenda de mulher que se prezasse. Ladeada às panelas, a imagem dela pintada em casal no ano das bodas. Onde morava, as mulheres eram conhecidas pelos nomes de seus maridos. Depois do nome dela, vinha curta preposição e o nome do pai do seu pai.

A menina deitada na mulher chamada pelo nome do marido e na mulher cercada de mundo embranquecido não queria se casar. Barco ancorado, ergueu-se e seguiu, pés e cabeça, para fundar cidade. No mar, as mulheres a olharam caminhar enquanto o barqueiro dava meia-volta.

*Andreza Pereira é jornalista em Cuiabá. Na luz do Brasil do meio, escreve com retinas impressionadas. 

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