Por Isa Sousa*

Quando Fred Astaire morreu eu tinha apenas três anos de idade. O tempo, porém, não me impediu que nos encontrássemos. Primeiro, foi no Google, por meio de fotos em que ele sempre estava “voando”. Depois, chegou o YouTube e ali sim pude ver como, além de voar, o rosto dele ao dançar fazia gestos de felicidade, amor, alegria e leveza pelo que fazia. A dança devia levar Astaire realmente para um paraíso em que nós nunca poderemos imaginar.

A internet – somada um pouco à influência do meu pai, claro – fez com que me aproximasse também de Rita Hayworth, Ginger Rogers, Gene Kelly e até mesmo das “partes dançarinas” de Elvis Presley e Frank Sinatra.

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Mas, apesar de amá-los, era por Astaire que nutria verdadeiro amor. Anos mais tarde, li na revista Serrote, do Instituto Moreira Sales, um artigo de Lorenzo Mammi que coroaria tudo que nunca conseguia entender objetivamente. Intitulado de “Mr. Voador”, houve uma parte que me tocou. Segue abaixo.

“Não tenho certeza, mas suspeito que a solução do enigma Fred Astaire esteja, pelo menos em parte, nos braços – ainda que, evidentemente, sua extraordinária perícia técnica repouse sobretudo nas pernas. A princípio, os braços seriam o problema, não a solução: muito longos, com mãos muito grandes, para ombros e tronco tão reduzidos. Mas Astaire encontrou uma postura para eles, nem em repouso nem em tensão, mas levemente afastados do corpo, apoiando-se sobre as coisas (sobre o encosto de uma poltrona, por exemplo, ou sobre o joelho) sem peso, como uma folha que cai uma postura, enfim, que faz com que eles, em vez de pesarem sobre o corpo, o sustentem. Quando Fred Astaire põe a mão no bolso, parece uma gaivota dobrando asas.”

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Pra mim, ao ler isso, era evidente que a vontade de fazer algo que amamos vai além e é muito mais forte do que a possibilidade.

E exatamente por todo esse contexto que digo sim ao filme “La La Land”. Apesar de muito mais bonito, Ryan Gosling nunca será Fred Astaire. E talvez nem pretenda. Emma Stone está longe de ser Ginger Roges. Mas, e daí?

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As gerações Y e millennials talvez nem saibam quem foi Fred Astaire. Ou, se souberem, chutarão que é uma música de Clarice Falcão. Não por desinteresse, mas por simplesmente faltar referências atuais que remontem ou tragam esse passado para o presente. Por isso mesmo, é importante que em 2017 “La La Land” seja um respiro, mesmo que pequeno, nas décadas de ouro de Astaire, Kelly e Rogers.

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A cena em que os personagens de Gosling e Stone dançam em um céu estrelado me tirou o ar e não tem como não lembrar de Astaire voando. As referências a filmes como Shall We Dance (1937), Grease (1978), Cantando na Chuva (1952), Boogie Nights (1997), Moulin Rouge (2001) estão todas lá.

E claro, como não achar incrível as críticas – mesmo que clichês – à Hollywood, Los Angeles e a atual música. E que bom que, para o jazz, é John Legend quem a faz.

Talvez, em época de Stranger Things, estejamos ficando nostálgicos. E o que há de mau nisso? Mesmo sem ser um “Eu, Daniel Blake”, profundo e urgente filme do britânico Ken Loach, vez ou outra é bom dar um respiro e uns passos pra trás. Olhando, sempre, pra frente.

*Isa Sousa é jornalista e escreve sobre seus destinos no blog Ela viaja.

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