Por Luiz Renato de Souza Pinto*

Um ano depois, mais da carne, da mesma, da própria carne! Sexta-feira, sete de abril, véspera de feriado. A cidade respira a fogos de artifício. Fui para o Levante hoje com a ideia de ver um Plínio Marcos renovado pela dramaturgia mato-grossense. Não era. Encontrei Macunaíma e Zola em cena aberta: explico! O espetáculo, a meu ver, faz parte de uma alegoria latino-americana que nos integra a los hermanos em uma corrente de solidariedade. Fragmentos de sangue e pina colada espalhados ao som catártico de muitos ritmos, e de exceção. Um trabalho de poucas regras; de contrarregras.  Um banquete de signos regado de escatologias e sincretismos. A pachorra de uma elite cruel em meio ao pão e circo dos anos sessenta. Atos para lá de institucionais.

Cada personagem trazia um incômodo e assim o espetáculo escorria pelo pé direito alto de cada canto em meio a cânticos e mais cânticos, cuja sonoridade em muito gerava desconforto. Uma versão feminina de Venceslau Pietro Pietra devorava avidamente uma costela com movimentos retilíneos e uniformemente variados. Enquanto a elite metonimicamente se divertia, os (sub) humanizados escorriam pelas ratoeiras atrás de migalhas batendo correntes.

Num misto de Eva Perón e Madonna, o espetáculo cede às externas do casario quando as torturas físicas transformam-se em morais, psicológicas, detratoras do comportamento libertino. Balões de ensaio de um fantasma que nos ronda novamente o imaginário. Que a barreira da língua não reconforte e agrupe o capital, destruindo nosso interior. A montagem traz um alerta subjetivo para cada um da assistência. O de que não se pode ser mero espectador diante de qualquer tragédia. Que a capacidade de indignação se faça presente; agora e sempre, na mesa farta da sociabilização.

Não se trata de ficção, embora o texto fosse decorado, é o que se diz logo no início. Não se trata de palco, ou plateia, mas de lobos e de alcateia. Para fugir da teia que a aranha tece, faz-se necessária toda uma rede de circunstâncias. Poderia estar em Juan Rulfo, como em Mariguela; em Dionélio Machado, como em Carlos Fuentes; em Jorge Luis Borges, ou mesmo em Garcia Marquez, Zapata, ou Pancho Villa.

O aqui e agora da literatura cênica compõe novo mosaico e a dramaturgia se renova com o novo/velho que ainda nos assusta pela sua presença interdita. Atores cheios de ânima; daqui e de Cáceres. Nem todos vieram; muitos se encontram desaparecidos. Jane Vanini, infelizmente, não mora mais aqui.

Há um ano estreava esse espetáculo que agora está de volta. Sábado e domingo, nove e dez de dezembro – Cine Teatro – Sala Anderson Flores – imperdível; só acho! Vá ao teatro, leve convidados, divulgue. Há espetáculos que precisam ser vistos, mesmo que se renovem, a cada apresentação, novas significações. Lembro agora de uma cena do filme Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, um dos clássicos do Cinema Novo, “Macunaíma”, adaptação da obra homônima de Mário de Andrade. Refiro-me à cena específica em que o Curupira engana o protagonista e sai em sua perseguição gritando “Carne da minha carne… carne da minha carne”. Não sei exatamente porque me lembro disso agora, mas…

*Luiz Renato de Souza Pinto é ator, escritor, poeta e professor.
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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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