A criação do selo musical Sinistro Records é a prova de que a cena punk rock em Cuiabá segue resistindo, graças ao envolvimento e articulação de Ana Paula Sant’Ana, Má de Oliveira e André Beck. Além de produzir o material de bandas e artistas no formato de vinil e fita cassete, o selo atua para formar uma ponte entre o Brasil e a Europa, com intuito de fomentar possíveis parcerias e intercâmbios.

Ana Paula Sant’Ana – Acervo pessoal

A arte sempre se fez presente na vida de Ana Paula, que já passou pelo audiovisual e o teatro, mas foi através da pesquisa de mestrado que chegou ao punk rock: “Vi no movimento essa possibilidade de ingressar na música também”, rememora. Integrando a banda Suco Gástrico SP, que tem 30 anos de estrada e participou de diversos festivais importantes como o SP Punk, Ana Paula se descobriu dentro dessa cena de uma forma muito séria. E é a partir desse encontro que surge o Sinistro Records.

“O selo surgiu nessa ocasião, entre o André Beck, o responsável aqui no Brasil, e nosso amigo Marcio, que mora na Espanha. Com essa possibilidade, que nasceu dessa amizade, pensamos em continuar levando a sério a música e agora com essa parte do selo que é muito importante. É a efetivação do trabalho da galera que toca, para poder ser vista, ter seu registro, e parece que a gente veio com essa atuação bem firmada, colocando nesse caminho, inclusive, o pessoal, as bandas que são de Cuiabá também, dentro desse roteiro que não existia antes”, conta.

Há 13 anos trilhando o caminho da música, Ana explica que a ideia é trazer um pouco de efetivação, de criar laços, para colocar essa possibilidade de comunicação das bandas de Cuiabá dentro desse circuito. “O Sinistro Records faz as próprias coletâneas. Nós convidamos os artistas e entramos em contato, mas também existe a possibilidade de artistas ou bandas que quiserem contatar a gente para fazer o material”.

Sobre as qualificações do disco: é um LP, produzido na Europa, prensado e feito capa/contra-capa na Holanda. Arte final da capa feita na Espanha pela Grafic Tronner e a contra-capa feita na Espanha por Má de Oliveira, do Sinistro Records. 

 

Com relação a ser mulher e estar em um ambiente majoritariamente masculino, Ana opina que “não dá tempo para esperar eles entenderem, foram os homens que criaram esse tipo de realidade que vivemos. Produziram desde o começo da história um mundo tacanho, seus dogmas e suas certezas. As maneiras de fazer são maneiras que eles reconhecem como adequadas e não deu em nada esse ritmo de mundo”, disse.

Desenho da Ana Paula Sant’Ana

“Acho que é hora de atropelamos mesmo eles, e fazermos as coisas diferentes, buscando outra integração à natureza, outros valores, dando ênfase a outro tipo de coisa e ação… Aí quem sabe eles aprendem algo… E não falo sobre os homens somente, mas sobre o comportamento machista e limitador que também extrapola a questão de gênero”, continua.

Preconceitos arraigados que surgem com essa questão socialmente construída são a base do sistema patriarcal e voltado ao consumo. Nesse sentido, Ana Paula apresenta outra parceria que resultou na edição sobre mulheres que trilham a arte e representam a fina flor do underground do Zine Flor de Lótus.

Desenho da Ana Paula Sant’Ana

“A mulher sempre foi produtora por si só: produz o ambiente em que vive e opera por outras vias de produção mais ligadas ao afeto, à sensibilidade e à empatia. As mulheres têm essa característica de agregar e multiplicar aquilo que já existe. Barreiras nós sempre encontramos, barreiras sociais, de estereótipos, daquilo que esperam que você fale ou como você age. Cada obstáculo para a mulher é sempre muito maior, de quando vai tocar um instrumento, de quando vai produzir um disco, porque as pessoas ficam sempre pensando nesse resultado. Mas antes de ver esse resultado já existe uma imagem pré-formada sobre isso, como se os nossos atos fossem respostas à essas dúvidas sociais e que acabam nos aprisionando nesse sentido, de ter que corresponder à essas necessidades, quando na verdade essa necessidade está mais ligada a cada indivíduo em si, e não ao gênero dele”, finaliza.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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