O palco se acendeu em luzes e suas sombras se projetaram em cores. O som dos primeiros acordes vibra até a plateia e me transporta para um momento específico: o ano é 2004. O primeiro show que assisti com lágrimas nos olhos, do alto dos meus 14 anos. Aquele momento se eternizou pela voz que entoava canções emocionadas.

Vanguart e Orquestra do Estado em especial Raul Seixas - Foto: Mayke Toscano / Gcom MT
Vanguart e Orquestra do Estado em especial Raul Seixas – Foto: Mayke Toscano / Gcom MT

Percorro todos os anos com todas as memórias em que suas músicas fizeram trilha sonora em minha vida: me vejo no estúdio improvisado para ensaio no Boa Esperança, quando me refugiava nas tardes quentes para ouvi-los tocar. E estou em pé em frente aos palcos em tantos lugares diferentes que pude presenciar nestes mais de 10 anos de estrada da banda cuiabana Vanguart, que agora eterniza seus momentos gravados em DVD. Não por coincidência lançado no dia 8 de abril, aniversário de Cuiabá.

A memória que permanece, afetiva, do carinho com que sempre cuidaram de seu trabalho, dos versos doloridos, mas que confortam com esperança, de acreditar em sonhos, de lutar pelo amor.

Foto: Orquestra do Estado de Mato Grosso
Foto: Orquestra do Estado de Mato Grosso

“É fácil lidar com amor, é natural, difícil é lidar com o ódio”, diz Hélio Flanders após o show com a Orquestra do Estado de Mato Grosso em que interpretaram Raul Seixas. “Um sonho que se realiza, para nós musicistas de poder tocar junto com a Orquestra”, afirma Reginaldo Lincoln. Todos sentiram a presença de Raul no palco. Todos sentiram a sinergia com o público que vibra as emoções em uníssono com seus acordes.

“A música atingindo as pessoas, a lenda que é o Raul e sua presença no palco, a emoção que a Orquestra causa no público”, contou David Dafré.

Cuyabá como preferem chamar sua cidade, é recorrente em suas canções, que expressam a melancolia, a saudade de se viver onde nasceu sua poesia. Mas para os que não entendem o caminho de construção da banda no cenário nacional, Hélio Flanders explica que o Vanguart “nunca lamentou não ter dinheiro para gravar disco ou viajar, e sim lamenta por vir menos, por ser prestigiado em Porto Alegre, Acre, Nordeste e Cuiabá ser uma luta”.

Foto: Breno Galtier
Foto: Breno Galtier

A cena autoral em Cuiabá e Mato Grosso sempre persistiu em função dos artistas que unem forças, tentam se viabilizar para continuar a tocar para o público, e na maioria das vezes, não recebem o devido reconhecimento. E este reconhecimento não deve ser apenas do setor público e do privado, mas principalmente das pessoas que consomem cultura, mas ainda preferem apontar erros do que cultivar os acertos. Esta luta deve ser diária e de todos nós. “Para mostrar realmente o que é Mato Grosso ao resto do Brasil”, ressaltou Hélio.

“Não é só por que somos de Cuiabá, mas temos 10 anos de estrada, indo e vindo em todo Brasil, voltando aos lugares de seis em seis meses, e só agora que conseguimos isso aqui, nos faz sentir que valeu a pena”, contou Reginaldo.

Foto: Jonas Tucci
Foto: Jonas Tucci

Hélio Flanders cita o trabalho de resistência de artistas de Mato Grosso, como a banda Macaco Bong, Caximir, Eduardo Ferreira e Adir Sodré. “São pessoas que estão como a gente sobrevivendo, quando poderiam estar sendo muito mais respeitados e estou falando de trabalhos sólidos e de história”.

Mas, é por amor que esta resistência persiste, é por amor que a música continua a tocar, é por amor à arte e a cultura que os artistas continuam a produzir, porque bem coloca Hélio Flanders “quando você ama algo ou alguém você não tem escapatória, por isso que as pessoas sofrem por amor e por paixões delirantes, você não tem opção e enquanto isso fizer a gente feliz e tiver sentido, não temos opção, porque é tão difícil achar um sentido qualquer na vida e quando encontramos nos agarramos a isso de maneira brutal”.

E a nós que cultivamos o som que reverbera por todo o país, só precisamos acreditar que toda esta força bruta que corre nas veias dos Vangs continue a queimar e incendiar tudo, porque assim é a poesia de Cuyabá.

Cuyaba, 12 de Novembro de 1951.

O encontro nunca é fácil. Eu cresci através do sonho e jamais pude aceitar outra coisa. Eu estou sempre à caminho. Se você quiser eu chego silencioso, não te pergunto porque nem como nem onde, sento do seu lado, tiro os nossos sapatos e essa terra que a gente pisa há de beber as nossas lágrimas. Você aprendeu a TUA lição? Eu pedi ao sol para me deixar inteiro de novo. Esquece tudo, vem comigo e nunca se importe com os outros. As pontes são nossas mãos e junto a gente vai construir a casa do novo mundo. Nada mudou e tudo mudou.

com Cida Moreira
direção: Ricardo Spencer
poema Cuyaba: Helio Flanders & Vivian Whiteman

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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