Por Luiz Renato de Souza Pinto*

O Projeto Arte da Palavra traz a Cuiabá sua segunda atividade no circuito dos autores, no mês de junho. Estiveram com a gente em abril os mineiros Jacques Fux e o paulista Marcelo Maluf, em um bate papo mediado pela professora e poeta Divanize Carbonieri (UFMT). Depois da reedição da política (literária) café com leite, agora é a vez da gaúcha Carol Bensimon e do também mineiro Cezar Tridapalli que trocarão figurinhas em nossa capital com alunos do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) e da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) no dia 20 de junho. Participei desse projeto no início de maio indo à Bahia com a portoalegrense Letícia Wierzchowski contactando baianos de Salvador, Feira de Santana e de Santo Antonio de Jesus e agora faço a mediação desta edição cuiabana.

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Carol Bensimon – Zero Hora – clicRBS

Letícia e Carol tem suas singularidades, mas o que as une, senão a origem geográfica na cartografia literária nacional, é o fato de terem em suas vidas a presença iluminada de um grande mestre. Em tempos de economia criativa, de associativismo e de compartilhamentos em geral, há também o universo da escrita criativa e do Rio Grande do Sul sopra o nome de um alguém que ajuda a contar essa história, não apenas pela potência criativa, como pelo protagonismo.

Na orelha de seu primeiro romance publicado (1998), O Anjo e o Resto de Nós, Wierzchowski recebe as palavras de Luís Antônio Assis Brasil, acerca de sua obra que “pertence a uma estirpe de romances que trabalham situações mágicas interferindo no cotidiano; claro, é possível perceber o poderoso jogo das influências, especialmente derivadas de certa linha narrativa latino-americana, iniciada por Alejo Carpentier e que chega, de certo modo, aos dias de hoje, mas é inegável que nossa autora está à busca de dicção própria, perceptível no léxico raro, nas imagens quase sempre cabais, na cadência fraseológica e, no plano estrutural, na urdidura complexa da trama”. E ao final o grande escritor e emérito professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) deseja boa sorte à estreante nas letras. Dezenove anos depois, Letícia está às voltas com o lançamento de seu vigésimo sétimo livro, Travessia, fechando sua Trilogia Farroupilha iniciada em 2002 com o (já) clássico A Casa das Sete Mulheres.

parede-350Carol Bensimon publicou Pó de Parede, um volume de narrativas, em 2008, reunindo três novelas em um volume e estreou como romancista no ano seguinte com sinuca em baixo d´água, pela Companhia das Letras e em 2013 publica pela mesma editora seu Todos nós Adorávamos Caubóis. Este último, divertido como o primeiro de Letícia.

Quero começar falando um pouco do seu primeiro. Um livro que tem na estrutura pequenas narrativas acerca das principais personagens que vão formando um mosaico aos olhos do leitor e que me lembra o que Letícia gosta de citar em suas palestras e cursos sobre a escrita romanesca. “As personagens são um corpo de baile que saltam para seu solo e depois cedem o lugar ao próximo”.

Bernardo;Camilo;Polaco;Bernardo;Camilo;Polaco;Helena;Bernardo;Camilo;Polaco;Gustavo;Bernardo;Camilo;Polaco;Bernardo;Camilo;Polaco;Lucas;Bernardo;Camilo;Polaco;Bernardo;Camilo;Polaco;Santiago;Bernardo.

A narrativa gira em torno da perda de Antonia, “que dizia que o mundo era como um monte de gente recém-saída do oculista ainda sentindo o efeito do colírio-de-dilatar-pupilas: nos enche de mais luz do que podemos suportar e por isso ficamos sem ver nada de nada (BENSIMON, 2008, p. 7).

Em seu outro romance, uma espécie de On The Road regional com duas gaúchas que se reencontram após temporada em Paris (Cora) e Canadá (Julia), descortina-se uma trama antenada com a contemporaneidade que tem como pano de fundo um romance que põe em xeque o olhar sobre a diversidade sexual sobre a qual a sociedade utilitarista tem se debruçado senão para aplaudir, para compreender as novas bases de sua condição. Por que digo utilitarista? Quem responde é a narradora, Cora: “Você sabe, eles votam na esquerda e são a favor dos direitos humanos e das minorias até que você apareça em casa com sua namorada. Então a primeira coisa que dizem é que eles não têm problema algum em aceitar suas ´escolhas`, mas o resto da sociedade, infelizmente, irá estigmatiza-la (BENSIMON, 2009, p. 47).

13581_gg-1No momento em que muitos se desiludem com nosso país, a leitura deste livro semeia de maneira objetiva algumas luzes para o dilentantismo nacionalista, senão vejamos: “Caminhar de noite. Talvez fosse por isso que tantos brasileiros deixassem seu país, trocando empregos de diplomados por cozinhas e canteiros de obra, e para o diabo com os apartamentos pequenos que teriam de encarar, para o diabo com a família distante, para o diabo com o salário sem sobras, nós só queríamos ter o simples prazer de caminhar à noite (BENSIMON, 2009, p. 61).

Letícia Wierzchowski e Carol Bensimon têm mais em comum do que a escrita literária, a cidade de origem, têm a presença em suas vidas desse mago da literatura brasileira com quem a primeira desenvolveu com primor o prazer pela escritura meticulosa e a segunda, como orientanda de mestrado na produção da dissertação A Personagem Ausenta na Narrativa Literária, ousou misturar a escrita criativa ao estudo acadêmico da mesma, desafio imposto pelo prazer estético pelo texto literário.

imagesEncerrei a leitura de A Prata do Tempo, de Letícia, lembrando de Carlos Drummond de Andrade e nem preciso dizer o porquê, basta que apresente algumas palavrinhas de Laila, a narradora, que encerra a obra com uma profunda reflexão a respeito das descobertas contidas no baú do tempo, sua única e verdadeira herança: “Aqui ao meu lado está a chave que Théo usou ao pescoço por tantos anos e que, por sua vez, abre a porta do misterioso quarto de minha mãe. Lá dentro, está o passado. O futuro se esconde nos olhos de Ariana.

Quando disse há pouco que não haveria a necessidade de justificar o porquê da referência a Drummond, é porque por alguns instantes pensei ser possível que algum de meus leitores neste momento não se recordasse do emblemático poema do gauche em sua infindável procura da poesia!

*Luiz Renato de Souza Pinto, professor, poeta, escritor, ator, botafoguense.

 

 

 

 

 

 

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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