*Por Guilherme Pelodan

me empresta a manivela aí brother. para dar uma acelerada aqui na internet. internet de lan house de centro de cidade é foda. preciso ver e-mail. mandar mensagem para ela. porque a cigana me lembrou. me fez pensar nela. lembrar do perfume e ter até um pouco de coragem.

tenho uma história com ciganos. esse povo gosta de mim. eu gosto deles. plínio marcos falando do cigano truqueiro da porra e eu me identifiquei. entendi o paranuê da parada toda. o zigue-zigue. o ziriguidum. que tem mesmo. é para ter. sempre teve. e tem que ter. para sobreviver sem moeda no bolso. na casa das notas. no asfalto quente. no eticétera do dia-a-dia da gente.

tava andando uma cigana me parou. você é de espiritualidade filho. é sim que eu sei filho. é sim. deixa eu ver sua mão filho. deixa eu ver sua mão. você tem uma moedinha para a mãe. tres bien véinha. tem uma moedinha pra molhar sua mão aqui. me ensina uma oração filho. me ensina uma oração. ensina uma oração pra mãe véia. ensino sim véinha. ouve essa daqui ó. são miguel na frente. são miguel atrás. são miguel na direita. são miguel na esquerda. são miguel. são miguel. onde quer que eu vá eu sou o seu amor que protege aqui. anota para mim filho. anota. não deu para anotar. fica bem véinha. deus vai lhe pagar. fui andando. tchau tia. até mais. até logo. até outro dia.

depois outra cigana me para. outra ocasião. nem sei porque lembrei dessa historinha que acabei de contar. a história mesmo é outra. outra coisa. negócio outro. outro momento. mas é cenário semelhante. um outro centro de cidade. os mesmos personagens.

filho. deixa eu ler sua mão? moça. eu sou poeta de rua. não tenho dinheiro não. me deixa ver filho. você não tem um dinheirinho aí? dinheiro eu não tenho não. mas tenho poesia. eu tenho previsão. ela diz. lê um poema para mim. que eu lhe entrego a canção. ok leio. e li lá. e ela disse. poema bonito menino.

moça. vamos fazer assim. eu lhe dou um livrinho de poemas desse mais simples. e você me lê a mão. combinado? combinado. aí ela pega a mão. para ler. bem rapidinho. sem muita maracutaia nem trimilique. para dizer umas coisas. e diz.

vai viver muito. mais de 90 anos. já fugiu da morte e de muito risco de vida. viajou um bocado. é feliz. tem comida e tem teto. mas falta um bocado de paz. amou uma só vez. mas teve muita tristeza. agora tem essa mulher. que você não acredita muito não. mas gosta muito de você. seu caminho é bom. daqui um mês mais ou menos as coisas vão achar seu lugar. acredita nela. e acredita no seu coração.

tá bom. deixei o poema. agradeci. ela também ficou agradecida. virei as coisas e ela já começou a pedir cigarro para o próximo transeunte. e eu achei um barato. tá certo. cigano generaliza pra caralho. diz coisa geral para todo mundo. coisa repetida. fugi da morte. amor uma só vez. forte e foi forte. mas no baralho geral da sabedoria de rua tá até bom demais.

aí decidi parar. sentar a bunda nessa cadeira sebosa de lan house do centro. e pedir a manivela para fazer o computador funcionar. vou escrever um e-mail para ela. quem sabe é tempo. quem sabe ainda dá. recuperar aquela inocência perdida e voltar a amar.

*Guilherme Pelodan jamais obteve uma premiação literária, nunca foi homenageado 
em evento solene, nunca foi classificado para editais de cultura, nunca teve seu 
nome citado em antologia, nunca foi hóspede dos altos círculos literários, nunca 
obteve um tapinha nas costas de qualquer renomado escritor e ainda persiste 
escrevendo suas prosopopéias. Bacharel em Artes Cênicas, escritor e poeta 
Guilherme Paiffer Pelodan vende seus poemas na rua. Além de diversos poemas, 
produziu uma novela auto-biográfica ainda inédita, um texto dramatúrgico e 
atualmente escreve sua segunda novela (uma ficção pessimista).

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