Eu não sabia explicar por que mas sentia uma atração irresistível pelo Uruguay. Na verdade começou de uma maneira muito sutil. Na mesma época em 2012 vários amigos voltaram de viagem desse pequeno país, que abraça o continente enquanto se deita ao mar, e eu me apaixonei pelas fotos. Senti uma nostalgia com aquelas fotografias, como se eu já conhecesse aquele lugar. E assim aquela ideia começou a se infiltrar em cada poro do meu corpo. Não, não é exagero. Depois veio a legalização da maconha e então tive certeza. Precisava conhecê-lo. Entre idas e vindas da vida, decidi que conheceria o Uruguay e que iria sozinha. Férias. Comprei as passagens. Ida e volta. 17/12/2016 a 03/01/2017. CGB >> MONTEVIDEO. Com calma planejei o roteiro do que pretendia fazer nestes 17 dias, por minha conta, completamente só.

Destinos definidos, hostels reservados, mochila empacotada, lá fui eu munida do livro de Anaís Nin “Henry & June”, da coletânea de poemas da escritora russa Anna Akhmatova, meu caderno de rabiscos, canetas, fones de ouvido, discografias salvas no spotfy. E me acompanharam pelas seis cidades que conheci: Montevideo, Colonia del Sacramento, Punta del Este, La Paloma, Cabo Polônio e Punta del Diablo.

Praça da Independência em Montevideo

Cheguei no aeroporto em Montevideo e cambiei 100 golpinhos lá mesmo (precisava pro bus). Segui as orientações do hostel e caminhei algumas quadras com minha mochila de 13 quilos nas costas depois de descer no ponto de ônibus. Devidamente instalada fui almoçar e por coincidência encontrei uma amiga e o namorado. Comemos juntos e eles me deram algumas dicas de onde trocar o real pelo peso uruguayo. Para quem não quer só cozinhar em hostel, e estiver viajando em duas pessoas ou mais, compensa conhecer a culinária deles. Os restaurantes tem desconto IVA no cartão de crédito, a lei vale até outubro deste ano, mas pode ser prorrogada novamente já que atrai os turistas. É um desconto bacana e as porções para uma pessoa servem duas facilmente (e olha que eu não como pouco haha). A melhor opção em Montevideo é ficar no centro e não na praia (fica longe e a amiga, jornalista e viajante Isa Sousa me alertou para um equívoco, eles chama de mar pela proximidade mas é um rio) e é possível pegar um ônibus para Pocitos se quiser tomar banho de mar (dizem que lá a água é mais limpa).

Conheci muitas pessoas nessa viagem, brasileiros, estrangeiros, uruguaios. Foram encontros e trocas que me marcaram de alguma forma. Lá do centro é possível caminhar até a Praça da Independência com a arquitetura antiga inspirando o trajeto. A Ciudad Vieja (Cidade Velha) com as ruas de paralelepípedos te leva até o Mercado do Porto (vale a pena provar a carne lá, juro! Se tiver que escolher um lugar para degustar é a mais macia do Uy). No caminho vitrines de lojas de doces à antiquários refletem no vidro o mercado que também se faz no chão: lenços, roupas, casacos, quadros e artesanatos enfileirados acompanham a descida. Todos dizem que Montevideo é uma cidade velha. É que a vida noturna lá começa as 2h da manhã, então se você sair às 23h dificilmente encontra pessoas bebendo em bares. Mas fui até uma baladinha em um terraço de frente para o mar. A única coisa que paguei foi uma stellinha. Mas isso por que a galera do hostel tava acompanhada de um uruguaio. É uma cidade incrível, gostei muito e é cheia de museus, programações culturais alternativas. Eu fui ao Museu da Cannabis. Dá para fazer tudo a pé ou ônibus que custa uns 30 pesos dependendo do percurso.

Depois de Montevideo fui para Colônia del Sacramento de ônibus. É uma cidadezinha histórica e muito charmosa. Lá tem um farol, apesar de ter optado por não conhecê-lo. E apenas caminhar nas ruas de paralelepípedos com a sombra das árvores em um arco verde já é uma experiência e tanto. Caminhei, fui até o cais, almocei e tomei uma cerveja.

Depois fui me banhar no Rio da Prata. Perguntei para uns brasileiros que estavam morando por lá como era a água e eles responderam: Parece o inferno de Moscou. Lembro que perguntei, mas é frio ou quente? Eles disseram: Exatamente. É ali o encontro das águas. Do rio e do mar. O ponto onde se pega a balsa para ir até a Argentina. A sensação é muito louca, água quente, água fria.

Lá em Colônia conheci uma lojinha bacana cheia de objetos de arte, a exemplo de outra que visitei em Montevideo (Moebius, obras de arte, livros e objetos em extinção), estava repleta da obra do artista Daniel Barbeito. Uruguaio famoso por seus traços coloridos.

A terceira cidade foi Punta del Este. Foram dias ensolarados, com muita praia. Passei o natal lá, com vinho chileno por 20 golpinhos e sanduíche de rolo. Com companhias que me proporcionaram conforto, carinho e risadas. Com a grana contada, acabei cozinhando mais no hostel e bebendo por lá com as pessoas que conhecia e que assim como eu também estavam na estrada.

Punta del Este também reservou um dos momentos mais mágicos da viagem, quando conheci o Museu Casa Pueblo e vi talvez o pôr-do-Sol mais incrível de toda a minha vida até hoje. Já falei sobre isso aqui. É muito fácil ir, basta pegar um ônibus na rodoviária descer na rodovia e pegar um caminho de uns 20 minutos a pé para chegar até o museu. A dica é ir no entardecer e se ligar nos horários de volta do busão. Para entrar no museu só em dinheiro, por isso é bom ir precavido. Mas vale muito a pena. Não dá para perder mesmo.

La Paloma foi a quarta cidade do roteiro. Um lugar pequeno, com um jeito de passado, uma floresta que remete algum lugar da Europa. Nas praias areia e rocha se misturam com as ondas do mar que se quebram violentamente. Escolhi La Paloma por que queria visitar o Farol de Santa Maria (1874), é o nome da cidade da minha mãe. Quando subi lá um poema chegou imediatamente, publiquei aqui

Em La Paloma, o atrativo turístico é realmente o farol construído em 1874. Para se visitar o farol é necessário lembrar sempre que exige certo esforço físico, por que obviamente não tem elevador. É escada mesmo, e uma escada antiga, apertada, construída há muito tempo, até chegar em uma escada ainda pior de aço, passar por uma escotilha e voilá. É de tirar o ar. Sério. A paisagem te emudece. A emoção toma conta. E o medo de altura também, rs.

Então cheguei em Cabo Polônio. É difícil eleger um lugar mais especial. Cada um teve a sua peculiaridade. Mas, Cabo Polônio é Cabo Polônio.

Acho que a gente não tem dimensão do que significa ficar sem energia elétrica. É uma experiência surreal. O tempo abriu uma fresta e naquele pequeno espaço existe Cabo Polônio. Para chegar até lá você vai em um caminhãozinho de dois andares que lembra muito aqueles de safari. Quando cheguei tinha chovido e a estrada e Cabo Polônio não possuem nenhum vestígio de asfalto.

As cidades são pequenas e em alguns lugares não é possível comprar com cartão de crédito, por isso é sempre bom ter algum dinheiro (de preferência já cambiado). Enfim, depois do “safari”, Cabo Polônio.

Uma ilha de pescadores, uma reserva dos lobos marinhos. Um santuário da natureza cristalizado pelo tempo. A interferência humana é mínima. Não se pode mais construir em Cabo Polônio, então as construções são improvisadas e a arquitetura aproveita qualquer material para manter as casinhas em pé.

No primeiro dia, deixei meu celular carregando no único horário possível, lá pelas 15h quando o vento sopra fornecendo energia eólica. Não tem geladeira e não é possível conservar os alimentos lá, por isso é bom pensar nas refeições com antecedência. Às 17h me perguntaram se eu já havia preparado tudo para a noite. A luz solar ia acabar. Organizei minhas coisas, arrumei a cama, tomei um banho e fui para perto da fogueira, conversar, ouvir música. Lampiões, fogueiras e o farol iluminam a noite que recai sobre a pequena vila de pescadores. O céu é uma explosão de estrelas.

Como usei meu celular de lanterna, acabei ficando sem bateria no outro dia e não pude fotografar os lobos marinhos. Uma pena! Eles são bem fedidos, mas é legal ver quando os lobos saem da água gelada e começam a brigar para tomar o lugar dos coleguinhas que estão lá estirados numa boa nas pedras tomando um sol.

Um lugar para se desconectar. Para silenciar a urgência dos tempos líquidos. Recarregar o corpo, a mente, a alma. Por um momento se libertar daquilo que chamamos tempo. Quando terminou minha estadia lamentei por não ter ficado mais.

É que ainda não imaginava que o Uy ia me surpreender e me dar de presente de despedida: Punta del Diablo, a próxima parada. Durante a pesquisa para o roteiro decidi que este seria o lugar para eu começar o meu ano novo: de frente com o diabo, encarando todos os meus medos. Afinal, depois de passar 17 dias viajando sozinha, era exatamente esses medos e receios que eu enfrentaria. Mas a viagem foi tranquila. O único perrengue é que diferente do Brasil, o Uruguay é um país cujas cidades menores não possuem infraestrutura de todos os estabelecimentos aceitarem cartão. Ou possuírem caixa para saque internacional.

Mas, as belezas naturais valem o investimento e o planejamento. Punta del Diablo possui várias praias, em um dia percorri cinco. Não consegui conhecer o parque pois são muitos quilômetros de extensão e também para se chegar até lá. Mas as praias são incríveis. A paisagem é sensacional.

Para a ceia fui convidada por um grupo de brasileiros para um verdadeiro churrasco gaúcho: costela assada na virada do ano. Vinho. E depois praia. Fogos de artifício. Conversas. Cervejas e um brinde ao Uruguay e todas as transformações que proporciona aos seus viajantes.

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