*Por Luiz Renato de Souza Pinto

Na sexta-feira de carnaval de 1988 fui para o Rio de Janeiro atrás de um rabo de saia. Ela fazia Geografia e eu, à época, desencantado com o ensino superior, já havia largado a Engenharia Florestal – fiz um ano e meio sem conseguir passar em Cálculo I – e também o curso de História. Minha turma era bem legal e tinha algumas pessoas bem interessantes, como por exemplo, Adir Sodré, João Ormond e Else Cavalcante. Cursei apenas meio semestre, largando a faculdade para seguir o trecho com o Caximir. Bons tempos!

Os rapazes do Caximir (Ex Caximir Buquê) pagaram minha passagem de ida a fim de que eu pegasse o compacto gravado em São Paulo e prensado no Rio de Janeiro e enviasse a eles de avião, por malote. Só com a passagem de ida, fui. Morei quatro anos em Cabo Frio, lugar paradisíaco em que fiz muitas amizades.

Das relações que estabeleci algumas saudosas não estão mais entre a gente. Como, por exemplo, Maurício Tapajós, aquele que cantava que “pode ir armando o coreto e preparando aquele feijão preto, que eu tô voltando!”, Paulinho Pedra Azul e outros que fizeram apresentações por lá e, por serem amigos de amig  os, acabei conhecendo entre um acontecimento e outro.

Maurício nos deixou tem algum tempo. O nobre compositor deixou-me três crônicas de sua lavra para que eu publicasse em um pequeno periódico que fazia na cidade. Saudoso da arte desse grande compositor reproduzo aqui uma das três.

Mauricio TapajosO QUE QUE FAZ COM O BIFE?

Você conhece o bife, aquela musiquinha que todo mundo sabe tocar no piano? Pois é. Imagina essa música tocando no fim dessa história.

Fui pra Maceió (aliás, Massa e ótimo) cantar num show. Como eu ia sozinho, por falta de “viabilidade econômica”, tocaria com três músicos de lá. Eu no violão, e baixo, bateria e teclado. Mandei antes as partituras pra eles irem estudando e cheguei no dia do show pra ensaiar desde de manhã com os músicos.

O show era de noite numa espécie de Circo Voador e desde nove da manhã começamos a ensaiar. Logo no início senti que o tecladista não estava lendo as partes e tocava um pouco atrasado depois de ouvir o meu violão. Ele era o professor de piano mais conceituado da cidade e eu saquei de repente, parando o ensaio: – Você não sabe ler música.

E ele reconheceu que tocava de ouvido, o que ninguém sabia – nem os outros dois músicos amigos dele.

Aí eu disse: – O mais difícil você já sabe, que é tocar. Agora decorar todas essas músicas pra hoje de noite, é impossível. É melhor aprender a ler do que decorar a bíblia.

Dispensei os outros dois pra irem ao bar e comecei a mostrar pra ele o bê-a-bá. O cara que é um ótimo músico aprendeu logo a ler e começou a entender uma porção de coisas que fazia sem saber. Aí, eu fui pro bar comemorar com os outros dois enquanto ele ensaiava sozinho, lendo as partituras.

Voltamos, ensaiamos os quatro, entramos em cena quase que direto depois do ensaio e fizemos o show, que teve um intervalo não programado porque eu precisava desmaiar um pouquinho: muita luz, muito calor no circo, sem comer, pressão desregulada.

Os dois foram com ele que acordou a Bety e pediu pra esquentar qualquer coisa pra tira-gosto. A cervejinha, o tira-gosto e o papo com os dois amigos, rolaram até as cinco da manhã, quando um deles falou:

– Puxa! Cinco da manhã! Vamos embora!

E o Pixinguinha: “Deixa disso, vamos tocar mais uma”. E o outro:

– “A conversa tá muito boa, mas o sol já tá nascendo e isso não é mais hora de ladrão ficar na rua”.

Era nesse papo que eu me amarrava também. Ficava horas, feito o encantamento que o papo do Tom provoca na gente.

E eu via que todo dia o bicheiro passava no Gouveia e o Pixinguinha jogava, sempre, no burro e no cachorro.

Um dia não me contive e perguntei, curioso, enquanto ele fazia o jogo: – Por quê você joga todo dia no burro e no cachorro? Só burro e cachorro sempre?

E ele, calmo, olhando ternamente pro bicheiro: – Cachorro é esse bicheiro que todo dia vem apanhar o meu dinheiro. Burro sou eu que jogo todo dia.

(Maurício Tapajós)

*Luiz Renato de Souza Pinto, poeta, ator, professor, produtor cultural, remanescente do Caximir.

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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