Todo ano repito a jura: juro que não escreverei nada que pareça com retrospectiva do ano que passou. Mas volto ao passado pela festa de lançamento do site Ruído Manifesto no espaço cultural Metade Cheio no dia 29 de dezembro de 2017. O site reúne uma moçada que escreve, faz filmes, literatura e jornalismo, faz barulho, faz a cidade se movimentar. Ruído Manifesto tem nove integrantes: Ângela Coradini, Felipe Martins, Matheus Guménin Barreto, Rafaella Elika Borges, Rafaela Gomes Caetano, Rodivaldo Ribeiro, Santiago Santos, Talita Martinuci e Wuldson Marcelo. Bem-vindos!

Lançamento do site Ruído Manifesto no Metade Cheio – Foto Eduardo Mahon

Mais um veículo que surge na cena digital que se desenha em Cuiabá. São iniciativas que vêm se multiplicando numa escala nunca antes vista por aqui. Junto ao Ruído Manifesto já se somam, Tyranus Melancholicus, Cidadão Cultura, Parágrafo Cerrado, Teoria Verde, Na Marra, A Lente, Diminuto, o Beatnikis e Malditos (em que pese estar parado, mas contém um bom acervo de escritos marginais), enfim, são espaços de exercício criativo, jornalismo cultural, literário, defesa ambiental, todos com uma pegada colaborativa estão rasgando o verbo e exercitando um olhar crítico sobre a cena cultural que vem colocando Cuiabá como um território fértil para a explosão de novos talentos.

Conversando com alguns parceiros percebi a inquietação de praticamente todas as cabeças pensantes. Parece que vivemos uma encruzilhada, um momento tenso e perturbador. Debate-se muito hoje em dia a questão de um certo empobrecimento cultural. Mas a questão é complicada. Como se desvencilhar de posições preconceituosas e elitistas a definir o que é bom ou ruim, o que é mais ou menos importante? Se nos atermos a uma visão em que a alta cultura seja o parâmetro de julgamento, é uma coisa. Pensar a cultura como mercado, é outra. A cultura pop há muito vem sendo a medida avassaladora quando falamos em consumo cultural. As vanguardas e experimentações já definem um outro campo, mais restrito ainda. As questões do feminismo, do negro como afirmação de identidade, dos gêneros e afins, que estão tão em voga, tem sido o parâmetro para muita gente, das reparações de injustiças históricas. O grande risco é a tendência de reduzir discursos, de generalizar posições, de nadar no oceano difuso de signos, significados e bits organizados por algoritmos que dirigem nossa atenção para aquilo que nos define enquanto padrão de comportamento e consumo.

Ahmad Jarrah faz uma provocação e leva-me a refletir muito. -Ferreira, existe ambiente para um debate político hoje no meio cultural? Regateio, pigarreio, reluto, mas afirmo: precisamos criar o ambiente para o debate. Em minha visão está tudo deserto de perspectivas transformadoras. O ambiente cultural na contemporaneidade propicia pensamentos distópicos. Qual é a nossa luta hoje? Tudo está tão diferente. As bandeiras se esgarçaram. Segundo Wlademir Dias-Pino, é tarefa para o poeta reinventar as lutas, dar nome às lutas, renomear as trincheiras. Estamos perplexos diante do vazio de ideias, pensamentos sedutores, novas poesias e novas filosofias de luta. Qual é a nossa? E agora, José?

Confunde-se muito política pública com política governamental. Cultura se faz sem governo, aliás é bom tomar muito cuidado com políticas de governo. Repartir o bolo de recursos é muito suspeito, afinal quem é capaz de praticar política de governo livre com investimento nas forças rebeldes, que questionam e alimentam autonomias? É preciso coragem e visão desprendida de projetos totalitários, é preciso acreditar nas pessoas, no seu crescimento, na sua perspectiva crítica. Isso é complicado. A distribuição de recursos tem sido dirigida para a manutenção dos governos, busca-se a eficácia política do retorno certo para aqueles que governam. Manutenção do poder. Nossa palavra de (des)ordem deve ser de dar poder ao povo, poder às pessoas que fazem o dia a dia de qualquer sociedade. Cultura é um conceito muito amplo, é a base de práticas e saberes, ritos e símbolos de quem faz a vida acontecer.

Não tenho visto disposição para se debater política cultural, vejo grupos se organizando muito mais em função de abocanhar uma parte do bolo orçamentário, estão muito mais preocupados em participar da festa do dinheiro público do que em alimentar as potências que estão aí no dia a dia, realizando, criando arte, linguagem, experimentando comportamentos, avançando no pensamento e na ação.

Vem aí um novo secretário de cultura no estado. Depois do Leandro entra o Kléber Lima, a despeito das qualidades de um e de outro, sempre fico com uma certa desconfiança dos governos, mas de uma forma crítica e propositiva. Mato Grosso tem potencial demais para se afirmar como sociedade culturalmente de excelência. Infelizmente o Francisco Vuolo na prefeitura de Cuiabá ainda não disse ao que veio. Está quieto, isolado, parece mais uma figura acomodada politicamente nas hostes do governo municipal, falta animação, vibração, vontade de fazer as coisas acontecerem.

Kléber Lima é uma incógnita, fico ainda a pensar o significado dessa nova aventura do jornalista e amigo. O que está pensando, como vê a questão da cultura em plena era digital? Até aqui não temos uma política de cultura digital que seja estratégica e inovadora. Mato Grosso precisa avançar em sintonia com o mundo cada vez mais conectado. Não dá para ficar de fora. Os movimentos estão vivos, as forças emergentes no meio digital comprovam a força local para inovar e avançar nas zonas pixels-bits do pensamento e da linguagem. Esses Ruídos poéticos são capazes de gerar atividade livre e criativa que podem contribuir e muito para fortalecer as políticas para o desenvolvimento de nossa diversidade cultural.

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