Seu jeito irreverente, descomplicado, sempre marcou nossos momentos. No primeiro dia que foi até a minha casa ele plantou bananeira, deu piruetas, recitou poemas. Mas, uma das lembranças mais marcantes que carrego até hoje foi quando declamou o texto Quantas vezes assassinei o amor de Fabrício Carpinejar em um fim de tarde na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). No pôr-do-Sol, com as árvores contrastando a poesia que vertia em um fluxo intenso trouxe as lágrimas até os meus olhos emocionados pela demonstração e expressão artística tão espontânea.

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Agora, acompanho de longe a sua trajetória e sinto ainda mais orgulho em poder chamá-lo de amigo. E o imagino aplicando a sua filosofia de vida na prática, criando alternativas para transformar a realidade que o cerca como o verdadeiro Fauno que ele é. Com o conceito de economia criativa, de trocas, intercâmbios, escambos, para abrigar expressões artísticas e culturais, Fauno Guazina e Yuri Fechner criaram o Qdernatelha em João Pessoa (PB). Casados desde 2014, mudaram-se para a Paraíba dar vida ao sonho.

“Se transformar, essa é nossa única constante”, avisa Fauno ao descrever a casa que é um coletivo de criação.

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Multiconfiguracional – assim se definem, afinal são de tudo um pouco: bistrô, ateliê, hospedaria, galeria de arte, cineclube, espaço para evento. Em constante evolução, o Qdernatelha dialoga com as necessidades destes tempos líquidos, e adotam por exemplo, o upcycling. “Tentamos ser o mais sustentável possível, trabalhamos em permacultura urbana e nossas peças de mobiliário, decoração ou joias são frutos de experimentações em design upcycling”.

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Foram os responsáveis pela retirada de mais de três toneladas de resíduos do bairro em que vivem, o Bessa. Esses resíduos se transformaram em arte, em decoração, em móveis, ganhando uma nova função, restaurando a vida daquilo que “se joga fora”, mesmo que não exista esse tal fora.

“Yuri, artista plástico há mais de 20 anos, resolveu mobiliar nossa casa toda com matéria prima advinda de resíduos do nosso bairro, daí começamos a catar e ver o lixo. De lá pra cá, já são 2 anos e já coletamos mais de 3 toneladas de resíduos do BESSA, bairro em que vivemos”, conta Fauno.

A experiência que proporcionam também se traduz nas refeições do bistrô que são exclusivamente veganas. “Hoje somos também um ponto de distribuição de alimentos orgânicos e agroecológicos do quilombo Senhor do Bonfim de Areia-PB, auxiliamos eles na distribuição de alimentos e assim todas as quartas temos uma quitanda em casa”, disse. 

Professor universitário de Design de Interiores e Arquitetura e Urbanismo, Fauno montou dois projetos de extensão que atuam na difusão de técnicas de upcycling, o LAMPAtelie e outro de cineclube que interliga o ateliê e a universidade para multiplicar visões de mundo oiaAroda.

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Neste caminho participaram de duas grandes exposições, o II Workshop de Arquitetura e Design do UNIPE e na Expo UFPB 60 anos. Também ministram aulas de história da arte, técnicas de projetos culturais, comunicação independente, técnicas de coaching anárquico (adorei isso!) e debates de gênero e sexualidade.

E foi através deste coletivo, desta ideia de viver e recriar em conjunto que encontram Michelle. Ela estava viajando por aí com sua cachorrinha Frida Kahlo e ficou por ali mesmo cozinhando os quitutes do Qdernatelha, e ministrando cursos e oficinas culinárias. Também montou um grupo de debates feministas e políticas veganas. 

Nossa casa só tem o objetivo de se manter e gerar mais “colaboramores” e amigues e para tanto estamos abertos para diversas formas de acordos, mas também aceitamos todos os cartões de debito e crédito, bem como consignação de material, trocas, escambos, banco de horas, basta vir conversar conosco e juntos decidimos, como neurônios conectados na mesma rede”. 

São iniciativas como essa que tem o potencial e o poder de transformar-se em mais sentido para viver. Cultivar amor, cultura, arte, política, diálogo, conexões. São estas iniciativas que fazem a diferença, que provam no dia a dia que é possível ir contra a maré, vencer as correntes. É possível pensar em um mundo com mais cuidado, com mais respeito ao próximo, ao meio ambiente. Transformar realidades. Demonstrar que podemos ser muito com pouco, que devemos ir contra este consumismo desenfreado que nos engole, sendo devorados pela máquina capitalista. Sem alma, sem amor. São iniciativas como essa que nos provocam a reflexão de que um outro mundo é possível e lutaremos por isso.

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O que prometo é que continuarei a escrever, quem sabe um dia da sua varanda, quando tomaremos nosso café e nos banharemos nesse seu mar, na sua imensidão.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

2 Comentários

  1. o amor gerando amor e transformando as relações…sempre…percebo um utilidade no devir humano que me encanta…adorei essa matéria!!!!!!(quero ir lá)

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