Dia 29 de julho, a historiadora Silviane Ramos Lopes, lança seu trabalho de pesquisa e conclusão de curso com o livro “Pérolas Negras – As mulheres de Vila Bela na luta pela afirmação da identidade étnica”. O lançamento vai rolar no Museu Histórico de Mato Grosso na Praça da República em Cuiabá, com direito a um sarau com participação das cantoras Lorena Ly e Ana Rafaela e grupo de dança afro. O livro foi produzido pelo esforço da própria autora que contou com a ajuda de amigos.

Mario Friedlander, Chorado em Vila Bela
Mario Friedlander, Chorado em Vila Bela

A pesquisa se deu através de uma complexa investigação que reuniu documentos, manuscritos e relatos de uma rede de mulheres que narraram suas histórias e experiências a partir de um pressuposto de resistência cultural para fortalecer e resguardar a memória de uma etnia cercada de condições invasivas e opressoras como é a história do povo negro em Vila Bela da Santíssima Trindade.

Uma etnia se afirma através do conjunto de seus afazeres que dão o tom de suas celebrações, ritos, língua, costumes, gastronomia, vestuário, religiosidade e outras manifestações tipicamente culturais. A afirmação da identidade pressupõe resistir com esses elementos que fundamentam e afirmam seus valores.

José Medeiros, Série "A cor da Vila"
José Medeiros, Série “A cor da Vila”

Para emergir essas pérolas da resistência das mulheres de Vila Bela a autora mergulhou nas águas profundas da memória e trouxe à tona a expressão das histórias com suas singularidades. Extraídas de onde não se tem registros escritos para a construção de uma narrativa da identidade.

Interessante observar que a política de valorização de nossos temas para pesquisa e estudos com a UFMT e com a Unemat trazem resultados importantíssimos para nós aqui em Mato Grosso. Daí, podemos dialogar e conhecer melhor a nossa própria história e afirmar nosso papel de agentes. Produzimos história o tempo todo, por isso a preocupação que sempre externamos da importância dos registros que precisamos fazer, das reflexões que devemos empreender sobre nosso processo de ocupação dos territórios de nossos afazeres.

Buscar a compreensão sobre a história mato-grossense, mais especificamente, de Vila Bela, sob a batuta das mulheres que se embrenharam nesse mundão e fincaram o pé na luta permanente por suas identidades, é perceber o papel relevante que elas desempenharam na afirmação dos valores do povo negro. Assim, Silviane trouxe à superfície essas Pérolas Negras.

A COR DA VILA POR JM - 2001
José Medeiros, A cor da Vila

Vila Bela é terra de mulheres guerreiras. Silviane diz que alguns estudos indicam que ela é da linhagem de Tereza de Benguela, figura ícone da região que liderou o Quilombo do Quariterê, no Vale do Guaporé. Ela afirma que, grande parte dos documentos da época ficam em Portugal e Inglaterra. Isso exige um esforço muito grande e investimento para investigar o período que viveu a Rainha Tereza, como ficou conhecida Tereza de Benguela que viveu no século XVIII em Mato Grosso. Ela liderou o Quilombo após a morte de seu companheiro, José Piolho, morto por soldados. Segundo documentos da época, o lugar abrigava mais de 100 pessoas, com aproximadamente 79 negros e 30 índios. O quilombo resistiu da década de 1730 ao final do século. Tereza foi morta após ser capturada por soldados em 1770, se suicidou para não se entregar, como um rito de honra. Vale registrar que dia 25 de julho é a data para celebrar o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

A historiadora fala da necessidade dos registros e documentos, apesar de que a fonte oral é o principal condutor do saber dessa comunidade, “guardada e vigiada pela memória feminina.”

A COR DA VILA POR JM - 2002
José Medeiros, A cor da Vila

Escrito como conclusão de curso, a autora viajou fundo no exercício criativo da memória, sabendo com muita clareza da importância e riqueza do material que estava lidando. Que a narrativa é um jogo livre de criação onde você confronta sua própria experiência com as narrativas existentes, operando dados, documentos, oralidades diversas, num conjunto que vai construindo um corpo histórico.

Pérolas são formações resultantes de uma defesa natural contra corpos estranhos, para se proteger. É colocado aqui como metáfora de uma construção histórica em que as mulheres foram responsáveis pela resistência cultural ao criar e resistir com sua cultura de forma oral e carregada de afetos. Silviane mergulhou nesse jogo de memórias e dali fecundou uma obra que serve de base para criar uma história de Vila Bela que praticamente não foi narrada, do ponto de vista de quem vivenciou a história como construção de resistência étnica e cultural. Uma comunidade que produziu suas próprias condições de registro pela transmissão oral e de suas manifestações culturais como forma de resistência ao colonizador.

José Medeiros, A Cor da Vila
José Medeiros, A Cor da Vila

É sabido que os quilombos são territórios de resistência onde se criou as condições de luta da etnia afro-descendente. Então desenvolviam seus modos de cultivo, de trabalho e de se manifestar com suas tradições e festanças, bem como na gastronomia, nas bebidas típicas como o Canjinjin e a Chicha, que traduzem seu modo de vida, suas festas e celebrações.

A falta de uma história escrita fez com que a autora mergulhasse ainda mais, como uma forma de corrigir a crônica ausência de registros ou de narrativas capazes de legitimar e dar voz a essa memórias femininas, autênticas guardiãs de suas fascinantes histórias.

Escrever memórias é tarefa cascuda para qualquer um que se embrenhe nessa selva de escuros. Para clarear, se fazer valer, ver o que antes estava sob a camada da obscuridade. Quase sempre impingida com o propósito de sufocar vozes que resistem aos sistemas opressores.

 

 

2 Comentários

  1. a história oral cada vez mais se impõe, também como verdadeiro desmantelar da história oficialesca dos manuscritos vide a historiadora de Mato Grosso Regina Beatriz Guimarães Neto em “cidades da Mineração, memória e práticas culturais” e também “História Oral e Memória, a cultura popular revisitada” livro escrito por Antonio Torres Montenegro historiador de Pernambuco, e de MS a escritora e musica sanfoneira, Lenilde Ramos o livro delicioso, “História sem Nome, lembranças de uma menina quase gêmea”, então, benvinda ao clube Silviane Ramos Lopes, com certeza de que resgatar a memória É se afirmar como cidadãos.

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