Por Luiz Renato de Souza Pinto*

 A crítica literária agoniza em nosso país. Algumas revistas, alguns jornais resistem. O resto são “opiniáticos” que escrevem bem ou mal sobre determinado livro, dependendo do número de carícias que receberam no ego. Os artistas se tornam muito conhecidos pelas colunas sociais. Aliás, colunismo social brasileiro é um estilo literário que todos leem, mas têm vergonha de dizer que leem. Grande parte dos best-sellers nacionais é uma mistura malfeita dos mesmos ingredientes. Nesse ponto literatura e datilografia se confundem (SILVA, 2013, p. 137).

Quando o professor Epaminondas de Matos Magalhães, convidou-me para fazer parte de uma mesa redonda a fim de discutir a literatura infantil em Mato Grosso, no auditório da Universidade de Cuiabá (UNIC), em outubro deste ano, aceitei, embora minha atuação na área seja diminuta. De imediato disse a ele que poderia apresentar um trabalho acerca da poesia infantil de Marta Cocco, do livro Doce de Formiga, lançado pela Carlini & Caniato não faz muito tempo.

O I Seminário de Literatura Infantil em Mato Grosso acontecerá nos dias 02 e 03/10, sendo que a mesa Os desafios de se ler literatura infantil em Mato Grosso ocorrerá na tarde do dia 03/10, a partir das 14 horas no auditório da UNIC. Terei ao meu lado nesse dispositivo o professor Dr. Rosemar Coenga (UNIC) e a decana da literatura cuiabana Marilza Ribeiro.

Ainda no mês de outubro, dentro do projeto Arte da Palavra, do Serviço Social do Comércio (SESC), destaco a vinda a Cuiabá de dois escritores infanto-juvenis que falarão sobre suas obras para acadêmicos de Pedagogia e Letras da UFMT, como também para interessados em geral sobre a produção específica para essa clientela. Mediarei as falas de Caio Riter e Ilan Brenman, que vêm socializar suas escritas em Cuiabá e, como preleção a esse contato, socializo um pouco da produção literária desses dois arautos da escrita literária.

Caio é autor de Pedro Noite e Atrás da porta azul. O primeiro, em versos livres e brancos nos contando a história de um menino negro, como a noite, obra carregada de simbologismos em tempo de afirmação de toda e qualquer diversidade. Só isso seria suficiente como carta de apresentação. É para ontem a necessidade da escola, da família e de toda e qualquer instituição que produza discursos entrarem em cena para garantir o direito à vida, á liberdade de expressão.

No segundo livro, em prosa, Caio produz um mergulho ficcional no universo da intertextualidade que vai a Lewis Caroll, revisita outros clássicos da literatura universal na produção de um livro que, como diria Gianni Rodari, em seu belo Gramática da Fantasia, é uma verdadeira salada de fábulas.

Ilan Brenman, por sua vez, tem uma obra pouco mais extensa. Pude ler (por empréstimo) quatro de seus livros, as referências encontram-se ao final desta crônica. Destaco como um link para os dois autores a referência ao reino de Argos, na Grécia antiga, o que me fez lembrar dos tempos em que morei na simpaticíssima Cabo Frio, no Rio de Janeiro. No final dos 1980 e início dos 1990, semanalmente podíamos assistir a belos shows intimistas em um bar/pousada intitulado Os Argonautas.

Pois Brenman e Riter falam de Argos. O primeiro, ao apresentar na história QUAL É O HOMEM MAIS FELIZ DO MUNDO?  Dois dos homens mais dotados dessa honraria, Cléobis e Bíton.

Foram dois jovens de Argos muito honestos, corajosos e que realizaram um feito heroico. Certa vez, a mãe deles necessitava ir com urgência ao templo da deusa Hera, que ficava a muitos quilômetros de sua casa. A mãe havia contratado um homem para conseguir bois para a sua carroça, mas os animais nunca chegavam. Vendo a mãe aflita, Cleóbis e Bíton se atrelaram à carroça e puxaram a mãe por horas, sem parar em nenhum momento, até chegar ao templo. A mãe conseguiu entrar na casa terrena da deusa Hera, mas os filhos não aguentaram o desgaste físico e morreram. O povo de Argos considera esse feito digno de heróis, pois eles deram a vida pelo amor à mãe (BRENMAN, 2013, p. 15).

Riter, ao levar Alícia, personagem decalcada de Lewis Caroll pela porta azul adentro, promove um mergulho em uma estrada, passa por um poço, por uma plantação de trigo, vence a correnteza de um rio, chega a Liliput, atravessa uma montanha de gelo e encontra o reino de Argos. Mas a Argos do escritor gaúcho é a nau, capitaneada pelos argonautas, embora também traga a figura de um cão, de nome homônimo, referência explícita a Ulisses, ou Odisseu, seu dono.

Nossas melhores histórias infantis ainda trazem referências atreladas ao conjunto narrativo europeu, uma vez que do velho mundo surgem inúmeras histórias a povoar nosso imaginário. Em tempos de descolonialidade, é hora de repensarmos esse conjunto de informações, não para se excluir esta ou aquela, mas para nos posicionarmos no campo imaginário sobre a criatividade terceiro-mundista e sua (re) produção de clichês. Que venham os escribas para que possamos conversar sobre essas e outras questões do campo narrativo.

Como leitor, o que me resta é aplaudir a qualidade do texto. Como crítico, preciso entender melhor o que os formalistas russos já intuíam há mais de um século e que estão descritas por CHKLOVSKI em A arte como procedimento. O caminho da arte é o da desconstrução dos sentidos e a busca por uma compreensão das motivações pelas quais se constrói o texto, quer seja visual, retórico, escrito, imagético, híbrido, enfim.

Que a capacidade de ler e ressignificar continue presente na formação de nossos professores e no alunado; essa talvez seja a única chance de imaginarmos um mundo melhor, mais dinâmico e menos autrocrático, mas que fique aqui bem claro que isso não é uma verdade, apenas uma intuição, ou melhor, eu só acho!

 

REFERÊNCIAS

BRENMAN, Ilan. Isso não é brinquedo. Ilustrações de Maria Eugenia. São Paulo: Scipione, 2007.

______________. Café com Leite. Ilustrações de Bruna Assis Brasil. São Paulo: Mundo Mirim, 2012.

______________. As narrativas preferidas de um contador de histórias. Ilustrações de Fernando Vilela. São Paulo: Difusão Cultural do Livro, 2007.

______________. Histórias do pai da História. Ilustrações de Anuska Allepuz. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2013.

RITER, Caio. Atrás da Porta Azul. 2. ed. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2010.

__________. Pedro Noite. São Paulo: Biruta, 2011.

SILVA, Luiz Roberto Nascimento. A Nova Peste e outros ensaios. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2013.

*Luiz Renato de Souza Pinto é ator, professor, poeta e escritor.
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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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