Wuldson Marcelo é escritor cuiabano e lançou recentemente o livro de contos Obscuro-Shi. Certo dia ele foi-me apresentado, nos porões d’A Fábrika, um coletivo de arte cultura e comunicação que existiu em Cuiabá entre 2004 e 2009. O coletivo contava com uma pequena editora (A Fábrika de Letras). Na ocasião ele chegou com uns textos inéditos de sua autoria para avaliação e possível edição. Verônica Boscov e André Balbino que o indicaram para mim com elogios ao jovem escritor. Negro, formado em filosofia, professor, advindo da periferia, óculos grossos, uma feição de inteligência e uma timidez que mal o deixava dizer as palavras. Eram balbucios que me custavam compreende-lo.

Obscuro-Shi, era o nome do livro de contos. Gostei do que constava ali. Vi a potência do escritor latente e ele se auto-proclamava um adepto dos livros. Percebi nele uma tendência a sacerdote das causas literárias. Era uma forma de culto.  Entramos na fila para conseguir a publicação do livro através de edital público do governo estadual, junto com outros autores mato-grossenses, como Ricardo G. Dicke, Danilo Fochesato, Anna Marimon e este que vos escreve. Cinco livros, prontinhos para irem para a gráfica. Fomos sacaneados, não vou entrar em detalhes aqui, aliás, parece que é nossa sina. Sempre batendo na trave. Me conformei com a jactância: ser independente é para os fortes.

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os oito autores em lançamento coletivo de livros no sesc arsenal em cuiabá

Mas, o Wuldson conseguiu finalmente publicar o livro, doze anos depois da nossa tentativa frustrada (ainda tenho os outros inéditos aqui para publicação, enfim…). Obscuro-Shi faz parte de um pacote de livros selecionados através de edital da prefeitura de Cuiabá que lançou de uma só levada, oito livros. Isso é bem interessante pois cria um ambiente que estimula os escritores a desengavetarem seus escritos. É importante que aconteçam esses movimentos pois dá um gás na literatura local.

Mas, no geral, é difícil escritores serem agraciados com qualquer coisa que seja, é dura a lida. Vida de escritor é como lamber feridas, não sara nunca. É uma insanidade querer sobreviver de literatura. Tem que fazer muitas coisas paralelas. Escrever parece sempre com uma atividade extraordinária. Bom, há escritores que se profissionalizam, outros são do porão mesmo. Escrevem para gritar. Particularmente sempre tive pudor com os best sellers e blockbusters da vida. Gosto da arte dura que vem como um sopro infernal. Gosto das ruas com suas curvas e esquinas sombrias.

subterObscuro-Shi  veio depois de outras publicações do Wuldson. Ele é autor de Subterfúgios Urbanos, publicado em 2013 pela editora carioca Multifoco. Em 2013, organizou e participou da coletânea de contos e poesias Beatniks  Malditos e Marginais em Cuiabá: Literatura na Cidade Verde, também pela Multifoco. Uma coletânea de textos de autores diversos sob o signo dos malditos (para mim a melhor porção do que se escreve, pois rompe com a hipocrisia dominante das letras frouxas de acadêmicos e cia). A antologia se tornou um blog que continua publicando essa leva de autores.

Wuldson está sempre ocupando as camadas subterrâneas desse mundo de literatos. Em Obscuro-Shi ele narra encontros e desencontros na cidade imaginária que pode ser Cuiabá, São Paulo, Londres, Rio de Janeiro, não importa, as realidades se assemelham quando se trata de relações humanas, de desejos, interdições, violência, sexo, fracassos e desejos. Wuldson está mais maduro agora, nesses dez anos de hiato, entre o que seria a primeira publicação na época em que me dispus a editá-lo e o livro que agora está em minhas mãos (muito boa a edição da Carlini & Caniato, por sinal), ele me disse que cortou muitas coisas, cortou alguns contos, reescreveu, deu um trato e tudo agora me parece muito bem escrito, é um escritor que promete largos voos. É um viciado em literatura, lê muito, escreve muito e mergulhou fundo nesse universo das letras.

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wuldson marcelo em lançamento de obscuro-shi

É um momento de gratas revelações na literatura de Mato Grosso, isso dá um ânimo novo. Não é tarefa fácil escrever boas histórias, exige muito trabalho e talento. O Wuldson está no caminho, parece que não tem volta, isso fortalece a crença de que esse é um caminho para toda a vida.

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