Por Isa Sousa*

Existe um limiar, entre a vida infantil e o começo da vida adulta, que tudo muda radicalmente. E não, não é a adolescência.

Esse limiar talvez seja a transição da criança que é apaixonada pelos pais e, de repente, como num momento de epifania, passa a enxergá-los como adultos. Como homens. E, como tal, com suas falhas, defeitos e erros.

Talvez não seja exatamente disso que se trate “O filme da minha vida”, com direção de Selton Mello, que também atua, e nos cinemas desde o dia 3 de agosto, mas foi nisso que me ative durante os 113 minutos.

Mesclando cenas da infância e do momento presente, vemos Tony, vivido por Johnny Massaro, entre o céu e a dúvida. Muito unido e apaixonado pelo pai, o Tony adulto volta para sua cidade após se formar na “cidade grande” e não encontra a figura paterna. No mesmo trem em que ele chegou, seu pai – o francês Vicent Cassel, que também atua como francês – vai embora sem explicações.

Desse momento em diante, o que vemos é um Tony procurando por respostas: por que e para onde foi meu pai? Por que não deixou uma carta, uma explicação. Há uma angústia que nos toca e até nos faz questionar que, ao menos a morte, deixa seus vestígios. Essa parte do filme, li em críticas, é arrastada, puxada, cansativa. Porém, veja bem: é isso que o filme quer passar. Como há de ser o desespero de alguém que quer saber onde está um ente querido? Não seria arrastado, puxado e cansativo? Não seria doloroso?

Esse silêncio e lentidão, porém sem questionamentos como Tony, também vemos a mãe. Sentimos a perturbação em uma cena em que os olhos tremem ao olhar para o horizonte.

Quando, enfim, as verdades vão se revelando, há dor, revolta, tristeza, lamento. É o desabrochar desse limiar dito no início.

É preciso concordar: não é fácil enxergar nossos heróis, aqueles com quem aprendemos tanto e, talvez, tudo até então, como humanos passíveis das falhas mais incompreensíveis para o coração.

É preciso tempo – talvez uma vida inteira – para perdoá-los e nos perdoar.

É preciso, também, abandonar aqueles que tínhamos com a mais alta estima, se preciso for. É preciso, mais do que nunca, entender que todos somos assim.

“O filme da minha vida”, trata-se, portanto, do filme da nossa vida.

*Isa Sousa é jornalista e escreve sobre seus destinos no blog Ela viaja.

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