Por Luiz Renato de Souza Pinto*

Sempre comento em minhas aulas sobre como os professores das séries iniciais são importantes para a formação do seu discente. Em todos os campos do conhecimento, não há dúvida dessa referência. A relação de confiança que se estabelece entre esse profissional e a clientela é basilar para o prolongamento da educação inicialmente realizada no lar, primeira instância de produção discursiva a qual pertence o ser humano. Cito como exemplo quando o educador copia no quadro o cabeçalho, em que se diz, por exemplo, Cuiabá, 22 de outubro de 2017.  Falta a informação D.C. o que leva a criança a imaginar que o mundo começa com a aparição de Jesus Cristo, ou que o tempo passou a ser contado a partir desse evento. Lembremos, antes de mais nada, que nosso calendário é judeu. O calendário chinês, por exemplo, é bem diferente. Como a China vem dominando a expansão monetária e comercial, quem sabe mudaremos o calendário algum dia. Aqui começamos a perceber o que vem a ser discurso, doutrina e ideologia, reflexão que deve acompanhar esse pequeno ser até o fim de seus dias.

Há cem anos, em 1917, a Rússia via o czarismo desaparecer sob as garras do proletariado enfurecido, fato que mudou o panorama político do século XX. Vamos lembrar que estava ainda em curso a primeira guerra mundial, espetacularização bélica com a utilização pela primeira vez de bombardeios aéreos para a destruição em massa. O pensamento de Marx definitivamente saltou do discurso original para uma práxis que iria se degringolar ao longo das décadas seguintes, ocasionando diásporas encomiásticas e gestões problemáticas ao longo dessa última centúria. Em 1817, cem anos antes, no estado de Pernambuco ocorre outra revolução, objeto de pouco estudo fora do nordeste brasileiro, em que se ousou enfrentar a monarquia, sem obter o destaque similar ao episódio das Minas Gerais, capitaneado pelo alferes de alcunha Tiradentes. Neste ano completam-se dois séculos desse episódio que se juntou a muitos outros espalhados pelo território que caracterizaram um período turbulento do regime monárquico. Farroupilha, Sabinada, Balaiada e outros laialaiás!

Vivaldi, um dos grandes compositores da música clássica, no ano de 1717, muda-se para a romântica Mântua, cidade imortalizada por William Shakespeare, para onde é exilado Romeu, após ter assassinado a Teobaldo. A tragédia mais famosa do dramaturgo inglês ainda é representação quase que obrigatória para jovens atores e atrizes em todo o mundo, ou melhor, na porção ocidental do planeta. A cidade surge 2.000 anos antes de Cristo, porém, só é anexada ao reino da Itália em 1866. Dentre muitas de suas belíssimas composições, As Quatro Estações imortalizaram a obra de Vivaldi, sendo referência como criação artística. Em 1617, um século antes na ampulheta que deixa escorrer sua areia, observamos que o grande pintor Diego Velásquez obtém licença para poder pintar, curiosidade até mesmo pitoresca para os dias de hoje. E esse direito era concedido para que se pintassem apenas obras sacras na Espanha riquíssima que dominava os mares por aí a fora.

Caro leitor, sei que podes estar pensando a que se refere esse monte de informação acumulada nesta crônica sem pé, nem cabeça? Preocupa-me, e faço este registro para isso, o crescente movimento provavelmente orquestrado pelas elites dirigentes, brancas, xenófobas, homofóbicas, machistas e conservadoras que andam a ressuscitar a patrulha ideológica com vistas a amordaçar os artistas contemporâneos, a imprensa contestadora, os profissionais da educação que buscam esclarecer os mecanismos de formação e constituição discursiva, doutrinária e ideológica que estão por trás da dominação cultural com seu manto da moral encobrindo o que não se consideram bons costumes.

Ano que vem é ano eleitoral. O mar de lama que desceu pela represa da SAMARCO não mancha apenas o leito do rio Doce, os políticos de Minas Gerais, os homens de colarinho branco que corrompem os já corruptos representantes eleitos pelo voto popular. Jovens de 16 anos que podem votar não podem dirigir automóveis, nem serem presos caso cometam crimes de qualquer natureza, como o acontecido em escola de Goiânia na última semana. O efeito Columbine chega ao território nacional com similitude que impressiona. E a popularização do bulling, do cyberbulling, ainda está para ser compreendida neste mundo em que a vida vale cada vez menos.

E 1517, isso já faz muito tempo, ah! Deixa pra lá. Melhor eu te perguntar, sem patrocínio de ninguém, comerciante, industrial, ou mesmo banqueiro: o que é que a gente pode fazer por você ainda hoje? Pergunte ao seu professor da área de ciências humanas, ou de linguagens; talvez ele possa te ajudar a esclarecer alguns pontos de vista.

*Luiz Renato de Souza Pinto é professor, ator, poeta e escritor.
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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

2 Comentários

  1. Antes de tudo, parabéns pelo reconhecimento do seu trabalho pelo establishment Matogrossense, vc merece. a educação passa por uma de suas piores crises no mundo e precisa ser modificada e adequada ao momento que vivemos…escolas físicas representam riscos..acho que deve se acabar com as escolas físicas..assim teríamos menos custos etc. Professores não levariam bala e nem seriam agredidos. Os prédios transformados em centros de chek out dos mestres e alunos, convivência e arte..aí a coisa muda. do jeito que esta só vai piorar.

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