Vagas de emprego, relações afetivas, o valor agregado à cultura que construímos, o conceito da beleza define aquilo que nos agrada e que nos causa repulsa e em nossa sede por criar conceitos, buscamos harmonia em nossas criações e no ambiente que nos rodeia. A beleza como resultado de elementos harmônicos que elevam a experiência humana nos causando alegria e bem estar, nos define de maneiras tão profundas que sequer imaginamos.

Discutido à exaustão nas aulas de estética durante meu tempo na faculdade, o conceito de belo é um assunto que sempre me intrigara por suas ramificações se estenderem por todas as áreas do que concerne a criação humana. A semiótica e seu impacto na arte audiovisual são em grande parte meu interesse no universo cinematográfico. A fotografia com seu poder de capturar uma emoção ganha outras dimensões no cinema e aprofunda suas camadas de interpretação ao incluir música, texto e movimento à sua imagem.

Crescido no cinema de Stanley Kubrick, Dario Argento, Abel Ferrara e Alejandro Jodorowsky – diretores com trabalhos extremamente calcados na semiótica e resignificação visual, o diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn (Só Deus Perdoa, Drive, Trilogia Pusher) sempre se preocupa com a qualidade estética de seus filmes. Tachado pela crítica como plástico e raso, Refn continua a executar seus filmes quase unicamente preocupado com o valor estético de suas imagens. Em seu novo trabalho “O Demônio de Neon”, Refn eleva sua qualidade visual a mais um patamar.

Narrando a trajetória de uma garota interiorana de dezesseis anos em busca do sonho de ser modelo em Los Angeles, o diretor se utiliza dos holofotes da moda e das cores das maquiagens para imprimir sua fábula em relação a beleza. Detentora de uma beleza natural muito requisitada no mundo da moda, Jesse, interpretada magistralmente por Elle Fanning, logo descobre a animosidade e competitividade das passarelas. Inocente e despreparada, Jesse sente-se rodeada de ameaças. Perturbada pela natureza violenta de seu ambiente, a aspirante à modelo vacila entre momentos de pura confiança e insegurança e pânico.

Construindo a psiquê das modelos, Refn faz uso do visual para expressar o ambiente feroz onde Jesse se encontra. Nos vemelhos e rosas berrantes, as jovens garotas viram semblantes violentos e perigosos. A beleza das coadjuvantes Bella Heatcote e Abbey Lee desaparecerem para dar lugar a olhares cruéis e sorrisos falsificados. De belo e real só existe Jesse. Seja na maquiadora que de dia maquia modelos e de noite trabalha em um necrotério, para os gritos da vizinha de apartamento que parece ser violentada, todos os sinais indicam não só o quão mórbido é nosso desejo pela beleza, mas o quão violentamente a desejamos.

 

Nas cores e na atmosfera de terror inspirados diretamente em “Suspiria” de Argento, Refn cria sua própria Los Angeles e entrega o seu trabalho mais atraente visualmente, e por mais que à primeira vista o filme aparente se apoiar unicamente em seu apelo visual, o trabalho do diretor – como todos os seus filmes – se revela muito mais do que um eye candy.

Massivamente criticado pelo público e crítica por sua falta de conteúdo e unilateralidade, o filme sofre em criar público em sua primeira semana nos cinemas. Assim como “Mad Max: Estrada da Fúria”, “Sob a Pele” e “O homem duplicado” – filmes acusados errôneamente de favorecer o visual em detrimento do conteúdo – “O Demônio de Neon” sofre com um ponto de vista equivocado e um marketing dúbio. Vendido no trailer como um dinâmico thriller no mundo fashion, o comedido e desacerelado suspense incomoda o espectador desavisado.

Com imagens repletas de significado, o filme dedicado à filha de Winding Refn toma as proporções de uma história de moral, um cautionary tale sobre a obsessão com a beleza e como ela corrompe a inocência do caráter. Apresentado o ambiente nocivo da beleza, o tom de terror acompanha a trilha sonora e torna o filme uma experiência desconcertante. Na pele de Jesse, sentimos a paranóia e o medo de ser atraente no mundo que consome beleza. O deleite visual nada mais é do que o embelezamento do consumo, e a prória beleza que consumimos.

Cruelmente bonito, “O Demônio de Neon” representa mais uma adição ao universo torpe do diretor. Da mesma fonte responsável por “O Guerreiro Silencioso”,“Medo X” e “Bronson” a paranóia e a violencia proveniente dela são terreno conhecido para Winding Refn. Se distanciando cada vez mais dos trabalhos lineares e das histórias calcadas em diálogos, o diretor se separa do cinema que supervaloriza o texto, e perpetua suas raízes no thriller visual. Competente como suspense, como fábula e como exercício visual, ao espectador avisado e aos fãs do diretor, “O Demônio de Neon” é uma experiência única, como devem ser todos os bons filmes.

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Thales de Mendonça tem 25 anos, é escritor e produtor audiovisual em São Paulo. Autor do livro de ficção científica “D3-VA”, trabalha no mercado há seis anos e escreve para o Cidadão Cultura às segundas feiras.

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