Na trilha sonora do carro a letra da música pergunta “ué, qual o fim das coisas?”. E essa aparente simplicidade bate fundo na mente que fervilha com as provocações das composições autorais de Caio Mattoso. “A semana inteira esperando o sábado. Fica parada, fica parada”. “Quero beber um pouco do teu sangue”. Questionamentos filosóficos, a existência humana, o sistema capitalista, a exploração, a ausência, o vazio. O mundo é o tema, a vida o palco.

E assim de partitura em partitura, cria sentidos para significar a própria existência. Esse resistir através da arte. Caio tornou sua música grande ao lado da companheira Julianne de Moura. E para comprovar isso, dois discos saem de sua cartola mágica de Geraldi: “Opereta Trum” e “Retângulos do rio”. As músicas grudam na cabeça e ficam se repetindo, tocando ad inifinitum. Penso como o mundo seria melhor se todos consumissem conteúdo com substância. No domingo ensolarado fomos recebidos por Caio, Ju e Tetê (a filha deles) para gravar uma entrevista para a TV de Quinta(L) e almoçar, um dia muito agradável na companhia de pessoas queridas.

“Começou com composição, tocando o violão, descobri a sonoridade do violão e comecei a escrever em cima dessa sonoridade. O contato mais próximo de ver que era possível fazer foi com meu amigo Caio Costa de Mogi das Cruzes, que morou um tempo em Cuiabá, e ele é escritor e também compõe”.

“As cordas do violão que me levaram a pensar a arte”.

“Eu tento não forçar a barra para alguém gostar do que eu faço. É o que tenho na cabeça, tenho pensado nisso, se você acha que é algo diferente, talvez porque a música cada um tenha a sua, essa originalidade de cada um prevalece em qualquer arte”.

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Sobre o conteúdo das canções, Caio explica: “Na época do Dona Lua, Pablo, Caio, Kayapy, Ynaiã, Douglas, enfim, a gente tinha uma discussão da banda: para onde que íamos levar a construção da composição? É aquela coisa, falamos do amor, da morte do amor, da nossa relação com outras pessoas. Fazendo uma análise do que era produzido, às vezes pega, sabe essa discussão do sertanejo, sertanejo universitário, eu acho assim, cada um faz o que quer dessa vida, mas tem coisa que é dita que é muita borracha, é uma bobeira, você pensar, poxa, eu preciso fazer sucesso. O sucesso acho que acaba sendo você conseguir realizar, agora a relação com o público, de consumo da sua arte, do seu trabalho, é outra coisa, vem daí, e a sua vivência, o seu dia a dia, as suas experiências que vão ditar, vão dizer e você vai virar uma anteninha de você mesmo”.

“Essa coisa do capitalismo, a gente vive né, em conversa de bar, com filósofos, com pensadores, pensadoras, enfim, falamos sobre aquilo que faz a gente ser controlado, que acho que é a nossa pior coisa, é tentar controlar as coisas. Pegamos um estado, é uma reflexão de agora, tem essa coisa do mercado livre, de ter o controle do estado e ter grupos de poder e a arte entra também nessa discussão”.

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“Hoje tenho pensado nisso, essa coisa de falar menos, em criar mais sonoridade do que um texto. Tem coisa que eu escrevi, 10, 15 anos atrás e penso poxa é legal, gostei. Mas tento não me julgar até por que uma coisa melhor vem amanhã, o meu melhor ainda vai vir, penso assim. Essa relação que a gente constrói, talvez eu tento, por ter achado um caminho na música ou em qualquer outra linguagem foi justamente para sair disso. A gente tem um controle mesmo, vivemos uma estrutura social, então vivemos um poderio moral, as vezes a gente está sofrendo por expectativa de uma construção de código social. E aquela coisa, quando achamos nossa singularidade é o caminho para seguir e ficar de boa, para desenvolver.”

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Opereta Trum

“Tem música muito antiga, música minha e da Ju e do Julio Nganga, são canções que gravamos em disco através da Prefeitura, da Secretaria Municipal de Cultura de Cuiabá, Esporte, Cultura, Turismo, Lazer, tem um nome tão grande e um dos menores orçamentos, e tanta coisa para fazer. É importante isso porque é uma forma de fazer o artista conseguir, ter um apoio. Vivemos em uma democracia, votamos, elegemos, penso em nao votar mais em ninguém, mas quando recebo este tipo de apoio revejo o que vou falar. Conversando com amigos, po eu tenho apoio do estado, e o estado é controlador ao excesso, às vezes fecham grupos, grandes empresas que vão vender e mesmo assim existe esta resistência. Mas ai penso, agora que recebi apoio vou falar bem? Não, porque acho que a crítica continua, temos que exercer o pensamento crítico”.

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“Então tem coisas de antes e de agora, recentes, “Lugar distante” por exemplo tem 15, 16 anos, foi a primeira música que tocamos no Dona Lua e pra mim é importante registrar isso. Já perdi muitas canções, porque a música não tem um objetivo específico, a não ser que seja um mecanismo publicitário de criar uma mensagem e tal. Mas a princípio para quem está produzindo linguagem, todo dia nasce coisa nova, Opereta é importante para isso, continuar fazendo”.

A construção da música

Com a possibilidade de produzir e construir a própria música em casa, Caio Mattoso investiu em um pequeno estúdio. “Estamos em um processo de facilitação hoje, apesar dos equipamentos ainda serem caros, não é preciso mais investir milhões”.

Equipado com o home-studio e com programas de computador consegue (re)criar sonoridades.

“O Kayapy do Macaco Bong falou para mim, eu usava o Sonar a uns 12 anos atrás e em 2015, ele disse “po Caio tem o Ableton Live, dá uma sacada nesse software”, tem bibliotecas sonoras e um teclado que você acessa os instrumentos virtuais. Me interessei e comecei a construir com este instrumento, daí que virou parceria com a Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)”.

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“Consegui trabalhar com orquestrações, com regiões de uma orquestra, 30, 40 instrumentos, e compor com cada um. O violão é divertidíssimo por que te libera para canção, com três acordes você pode fazer um livro, a depender da sua gostosura de fazer isso. Nesse programa tem a possibilidade de outros timbres e frequências. Me deu oportunidade de fazer uma música, acho que a música é a mesma, mas com mais corpo, talvez”.

Retângulos do rio

“Foi um presente que ganhei de um parceiro antigo o Julio Nganga. Temos coisas antigas, sempre encontramos e compomos. Não precisa nem falar nada, a gente se olha assim e é isso. Não lembro como foi muito bem, mas foi algo do tipo: “vamos compor vamos, vamos gravar vamos, vamos lançar vamos”. Nos encontramos em um dia e criamos, fizemos até o upload. Fomos desenvolvendo e pensamos no disco, uma série, 10 músicas. Digo que é um presente por que o Julio está cada vez melhor, um grande compositor, um grande amigo”.

Os personagens

“Meu processo no teatro é o teatro Fúria, um grupo de Cuiabá que rodava o país, fui convidado a ser integrante do grupo, rodamos muitos festivais, me apresentei muito, desenvolvi, o teatro é muito importante, me ajudou na vida mesmo assim, e aí você vê a possibilidade”.

Foto Ahmad Jarrah - A Lente
Foto Ahmad Jarrah – A Lente

“O personagem é sempre você, não tem isso de você ser vários, você é só você mesmo, mas você sobrecarrega características e constrói partituras física e textual. Cria uma identidade, é uma coisa meio contemporânea talvez, de um tempo pra cá que manipulamos isso. Dessa experiência que tenho esse trabalho se desenvolve, principalmente o corpo. E nessa construção desse personagem, tenho vários, já perdi a conta, mas o que mais tenho realizado é o Geraldi que é teatro de rua, que tem uma possibilidade de dar sequência e quando você tem sequência consegue desenvolver e mapear na sua cabeça uma trajetória, fica mais forte, mais potente”.

Geraldi, o Leiloeiro é o personagem que Caio Mattoso criou nos idos de 2010 com o Sarau das Artes Free. O responsável por comandar o leilão de obras de arte. Depois de sete anos de interpretação é notável a evolução de sua criação.

Por que fazer arte?

“Porque é algo que eu consigo ficar bem, que achei uma maneira de existir nessa vida, que é o que eu consigo desenvolver mesmo. Ai de mim se não tivesse isso.”

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