As redes sociais são a caixa de ressonância da sociedade. Tudo é amplificado, porque é compartilhado para além do seu círculo. Esta semana, mais uma vez, as mulheres utilizam desse espaço para expor suas cicatrizes, seus medos, suas revoltas, seus protestos. E mais uma vez, choveram notícias trágicas no feed. Dois casos de estupro coletivo. Um no Piauí e outro no Rio de Janeiro. Uma faleceu. E a outra, que vida terá? Com apenas 16 anos, tendo sido violentada por 33 homens?

A caixa de ressonância das redes sociais trouxe relatos brutais de como é o dia a dia das mulheres. De como somos violentadas constantemente, pelo invisível opressor que nos rodeia. E aqui daremos voz à estas mulheres, que compartilham suas dores em um mundo criado para subjugar quem dá à vida.

Tortura e execução de "bruxas" na Era medieval
Tortura e execução de “bruxas” na Era medieval

“só acredito na possibilidade de aniquilamento das barbáries e violências cotidianas que vivemos quando estivermos de fato preparados para sermos descontruídos apartir do entendimento da palavra privilégio. é desesperador perceber que o brasil mestiço que compomos, promove diariamente o massacre de sua própria genealogia. é crime ser preto, pobre, periférico, mulher, índio.

Kokoschka_Mörder,_Hoffnung_der_Frauen_1909_sketchnão ousemos acreditar na ideia de reparo. não se redime atrocidade. não há reparo para o genocídio da população indígena, não há reparo para as mulheres que são diariamente violentadas, não há reparo para a dívida com a população negra. iremos eternamente circular nosso próprio corpo ou podemos
perceber que o brasil não se reduz à nossas representações e vivências?

quando você silencia o discurso do outro, mesmo que não perceba, quando você não compreende a ferramenta fundamental da alteridade, não se engane. você cava sua parte neste buraco fundo.

sei, não há palavra para a expressão do hediondo. não tem lugar confortável para elaborar tantos absurdos. entretanto, não devemos tratar tantos fatos como casos isolados. machismo, misoginia, homofobia, racismo, transfobia são práticas culturais
em nossos trópicos. é cultural porque é uma construção [elaborada] e localizada em um tempo cronológico. são práticas que agridem, oprimem, matam e são naturalizadas por esta cortina da invisibilidade que tanto precisamos romper. se sustentam em pilares seculares que precisamos urgentemente demolir.

sim, eu só acredito na possibilidade de aniquilamento da barbárie que vivemos quando estivermos preparados para discutir privilégios. o mito da harmonia racial e social é a conta cara que precisa ser paga pelo brasil.

não, não estamos em um país dividido. compomos um país que foi insistentemente talhado para não ser de todos. vamos por favor ouvir a fala do outro?”

Mariana de Matos, artista, poeta, escritora, desenhista, pintora. MULHER.

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“The burning” – Katherine Cawches e suas duas filhas queimam na fogueira na Ilha de Guernsey (localizada entre o Reino Unido e a França) 

“Tá foda, tá ruim, tá um clima pesado… Eu e mais outras mulheres que andei conversando estamos destruídas por dentro, um mix de ódio com impotência e tristeza…

Uma menina de 16 anos foi estuprada por TRINTA E TRÊS HOMENS! Vocês conseguem imaginar o que é isso?! Eu consigo ler, consigo interpretar um texto, consigo ter empatia, mas eu sei que tudo isso não chega nem perto do que essa menina ta sentindo. Imagina o seu corpo sagrado, que você vê, sente e cuida todos os dias, imagina seu corpo violentado, machucado, exposto e debochado… Imagina ter 16 anos e ser estuprada, imagina a dor, imagina não conseguir confiar em ninguém mais, não conseguir ter relações sexuais, não conseguir esquecer daquele momento, achar que a culpa é sua, sentir vergonha do seu corpo, sentir vergonha de viver….

Pra mim a minha vida iria acabar ali. E é isso que o machismo faz, acaba com vida de milhares de mulheres SIMPLESMENTE POR SEREM MULHERES! E não é por que ela usava drogas, por que ela usava armas, por que ela andava com bandidos, se fosse assim mais da metade dos homens que eu conheço também mereceriam ser estuprados. Mas não é assim que funciona.

O que vejo nos comentários dos homens que apoiam esse tipo de atitude, que dão risada, que acham que já deu desse assunto é que a maioria não nos vê como humanas, e sim como objetos, por isso não conseguem ter empatia. E por que eles nos tratam como objetos? Porque vivemos 24hrs em uma sociedade que propaga o machismo, seja nos filmes, na internet, nas escolas, nas famílias. Está enraizado.

Portanto saiba que se você é contra a CULTURA DO ESTUPRO você não é só contra o estupro em si. É ser contra cantadas na rua, ser contra piadas machistas, ser contra exposição de mulheres em grupos do whatsapp e do face, contra “ídolos” que batem em mulheres e que propagam discursos misóginos em seus trabalhos, ser contra aquele seu amigo que agarra as meninas na balada sem permissão, ser contra aquele seu tio que trata a mulher como empregada, ser contra aquele cara que todos acham legal e interessante mas que silenciam as minas nas conversas, ser contra aquele candidato que acha que mulher tem que ganhar menos.

POSICIONE-SE.”

Theodora Charbel, artista, música, poeta, performer. MULHER.

Mulher condenada por ser "bruxa"
Mulher condenada por ser “bruxa”

“Amigos machistas,

É difícil estar no seu lugar. É difícil se reconhecer tirano. É difícil entender que toda sua lógica de vida oprime outras vidas, estupra e mata.

Este é um pedido de socorro a todos vocês. Por favor, se reconheçam, se perdoem e melhorem. Reconhecer a voz de uma mulher não é humilhante. Humilhante é continuar oprimindo enquanto o oprimido grita por socorro. Sua atitude é degradante primeiramente pra você, e depois para toda a humanidade. Estamos aqui para evoluir, e mudar essa lógica faz parte da evolução que o mundo pede, aliás, grita.

Por favor, você homem que já bateu na sua irmã, que xingou a sua mãe de puta, que passou a mão na sua coleguinha. Se ainda tiver oportunidade, está na hora de pedir perdão. Está na hora de reconhecer que você não é melhor porquê nasceu com pinto. Você que me bateu, você que passou a mão no meu corpo de criança, você que me espancou. Eu já entendi que somos todos vítimas de um sistema. Eu estou pronta para te perdoar. O que eu não entendi ainda é porquê você não topa mudar essa lógica escrota. E enquanto você não muda, eu só posso concluir que você quer perpetuar essa lógica e quer que suas filhas, netas, sobrinhas continuem a sofrer esse legado machista.

Esse é um último apelo. Sim, não tenho medo de me curvar e pedir assim, aqui do chão. Esse é um aviso pra todos vocês que a partir de hoje, quem não me pedir perdão e passar pro lado de cá, lutando contra esse lixo de sistema patriarcal, vai ser denunciado, vai ser exposto, vai ter o que merece. Porque se eu tô no chão, é porquê tô brotando e vou crescer.”

Raquel Mützenberg, artista, atriz, performer, escritora, jornalista. MULHER.

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