Incerteza viva. O nome me provocava questionamentos antes mesmo de chegar. Incerteza viva. O nome ficou martelando na minha cabeça. Incerteza viva. Parecia traduzir exatamente o que eu sentia naquele momento e em todos os outros. Incerteza viva.

Foto: Marianna Marimon
Foto: Marianna Marimon

Era sábado. E eu tinha o dia inteiro para absorver toda a incerteza que é viva. Dividi um Uber com uma jornalista e fomos conversando da Praça da República até o Parque Ibirapuera, na Fundação Bienal de São Paulo.

Cheguei naquele coração verde com o vento soprando forte. E entrei. Parecia que parte da floresta havia sido transplantada dentro do salão. A natureza em contraste com o que é humano, nossa interferência no perfeito equilíbrio da incerteza viva, em um reflexo duro: a arte.

Percorri todos os andares e a história do mundo está contada em muitas línguas. Mais até do que eu posso entender.

Foto: Marianna Marimon
Foto: Marianna Marimon

Painéis sobre a vida na terra, no mar, no espaço. E a humanidade, frágil, iludida, fragmentada. A 32ª Bienal de São Paulo é Incerteza Viva. Um jardim de arte, da interpretação do que é a vida, nossa relação com a natureza, nossa ação humana. É complexo o prisma que reflete esta luz. Da destruição à arte.

A arte que fica. Assim como a natureza. Breve somos nós. Nossa brevidade escancarada em fotos, pinturas, esculturas. Para subir a rampa para o segundo andar, um projetor enorme e antigo formava uma película cuja narrativa era composta pelo devir dos visitantes. Passei dançando em meu próprio filme.

Foto: Marianna Marimon
Foto: Marianna Marimon

Vi rostos, deformados, perfeitos, inanimados. Pinturas que pareciam dialogar com a arte ancestral, rupestre, as vísceras expostas, a tragédia humana, que dilacera a vida.

Foto: Marianna Marimon
Foto: Marianna Marimon

Uma consciência profunda inquietou meu espírito. É toda a miséria, dor e tragédia que podemos causar transformada em beleza, em incômodo, em ser mais do que matéria, adquirir sentido naquilo que se vive todos os dias.

Entorpecidos, como que vivendo em uma realidade paralela, sem senso de responsabilidade para tudo o que produzimos, seja dejetos ou sentimentos. Nossa humanidade é questionada. Afinal, quem somos? Eu só tenho perguntas, não posso oferecer respostas.

A arte me rasgou inteira, como se pudesse extirpar de dentro de mim, algum sentido para tudo aquilo que me consumiu. Digerir é difícil.

A arte desce devagar, como um remédio que ninguém quer tomar, por que é a síntese da nossa realidade, dos nossos dias, do que somos, em tantas leituras. É belo e é feio. É dolorido.

Foto: Marianna Marimon
Foto: Marianna Marimon

O urso de pelúcia que deitado segura um guarda-chuva, sua cabeça é uma tela lcd (nossa realidade líquida) e um ventilador dissipa o calor que vem do fogo à sua volta. Depois, o urso amordaçado, bombardeado por imagens, som alto. Precisa mais?

Então nós, com toda nossa tragédia pintada em telas, retratada em sofrimento. Ou contada em texto ao lado de uma fotografia, com os elementos que acompanham esta memória: a mordaça novamente.

Mas, desta vez para contar a história de como os senhores de escravos colocavam uma máscara na boca dos negros para evitar que comessem os grãos de café durante a colheita ou que não engolissem lama para se suicidar e se livrar das torturas e do horror imposto pela escravidão.

A máscara. A história é forte e não pode se esquecer o passado, pois ele é presente.

Foto: Marianna Marimon
Foto: Marianna Marimon

Rio Doce é Watu. A tragédia da lama – que aqui vai além de suicídio e chega até o extermínio e o genocídio – é contada pelo olhar daquilo que significou aos indígenas Krenak, daqueles que tratam a natureza como é: sagrada, única. Lama, tóxica. Vida, morte.

E o que fica de nós, nisso tudo? O que a arte nos revela, o que nos esconde? A incerteza viva, será nós? Será a natureza? Será a nossa relação com o meio ambiente, com o Universo, com nós mesmos?

Ficamos quebrados. Perdemos uma parte importante e talvez ainda não tenhamos percebido ou nos questionado, aonde foram parar todos os nossos pedaços?

*A 32ª Bienal São Paulo chega a Cuiabá nesta segunda-feira, 15 de maio às 20h e fica aberta para visitação até o dia 9 de julho no Palácio da Instrução.

Serviço

O quê: 32ª Bienal São Paulo

Onde: Palácio da Instrução

Quando: 15/05 a 09/07

Horários: ter. a sex., das 8h às 19h, sáb. dom. e feriados das 10h às 18h. 

Quanto: Entrada gratuita

Compartilhe!
Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

Comentário

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here