Por Luiz Renato de Souza Pinto*

Recentemente, em evento internacional que homenageou alguns poetas de Mato Grosso, Manoel de Barros e Antonio Sodré (in memorian), além dos (agora) imortais Marta Cocco, Lucinda Persona e Ivens Scaff, as irmãs Daniela e Larissa Silva Freire me convocaram para receber a homenagem ao Antonio, em uma noite de muito brilho com a poesia de Manoel de Barros, via Mauricio Ricardo. Por conta do evento pude visitar a exposição do Museu de Arte Contemporânea que aglutina dezenas de representações do feminino nas artes visuais de Mato Grosso e que integrava a programação (ainda em cartaz).

A exposição me possibilitou um contato agressivo com o que se produz por aqui na atualidade. Algumas obras me pegaram pela cor, cheiro, brilho, mas algumas pelo sensorialismo que me projetou para dentro de mim. A genealogia de Anna Amélia Marimon foi uma dessas. E agora fico sabendo pela boca de um Serafim que a dona doida não quer mais ser chamada de Amélia, pode? Saí dali com uma vontade louca de visitá-la, e o fiz, para dizer o quão impactante foi ver sua obra, sentir o peso do emaranhado de suas teias em meu passado que a pintura arranha e tece novelos de mim próprio, não de um eu lírico.

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Falo disso porque me vi novamente diante da obra de Ana, pelas mãos do Serafim que, sem ser anjo, nem por isso demonizador na dessacralização artística da pintura local, apresentou em forma de palestra uma “Intersecção da arte em território multidisciplinar: reflexões e caminhos contemporâneos” para uma plateia seleta no Palácio da Instrução, na noite do último 04/08. O palestrante passeou pela arte de Duchamp, promoveu voos pelo ready-made e a pop art; palmilhou o caminho da desfuncionalidade da obra de arte, como também pela transposição do foco do objeto para a imagem e outros torneios de uma crítica universal que se aplica ao cenário nacional e culmina com seu espectro local.

Da cadeira de Kosuth aos interditos de Gaiad, o que se traduzia pela fala do professor e crítico vinha da “liquefação da arte pós-moderna” e fazia desse bem de consumo rasgado entre a discussão de autoria e o conceito de originalidade um produto do caos: arte, ou plágio? Até onde a mimese aristotélica, a partir de onde o cartesianismo crítico, como sugeriu o questionamento de Valderez, atenta em seus apontamentos ao discurso em pauta?

As bonecas de Basaia propunham um diálogo aceito pelas de Marimon (não posso esquecer que agora é assim que se denomina a artista), como também por outras de outras referências do feminino em cores da plástica mato-grossense. Mas a pulga atrás da orelha se colocava com os questionamentos apresentados em forma de cascata: seriam os artistas cientista sociais, ao propor leituras intersemiotizantes e pluralizando conceitos em meio a elementos primitivos, construtivistas, superposição de planos? Ou seriam historiadores que propunham narrativas com suas sequências factuais redesenhadas por traços variados, como os de Dalva de Barros, Gervane de Paula e outros mais, trazidos à baila por tratarem de apropriações, como frisou algumas vezes o crítico?

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João Sebastião, recém-falecido, que teve marcante influência no panorama das artes em Mato Grosso, ganha papel de destaque na costura do discurso da intersecção. Ao modelizar o padrão renascentista em obra apresentada, propicia uma reflexão que se integra a esse paradigma, o da “desmaterialização da própria arte”, palavras de Morin citadas por José Serafim Bortolotto, que vai mais além com a incorporação da arte pelo próprio corpo do artista, com o exemplo de Artur Bispo do Rosário. O manto sagrado para a última viagem, construção arquetípica de Bispo me fez voar, decolar desse campo conceitual como uma criança a segurar um balão de gás hélio e alçar voo com Oiticica, a ouvir palavras mágicas de Gentileza.

Pela floresta de símbolos baudelairiana atravessei novos rumos, mas, tal qual João, na companhia de Maria, demarquei o território com miolos de pão e ao tentar encontrar o caminho de volta da viagem vi-me impossibilitado de refazer o percurso. No labirinto percorrido fico à procura do fio de Ariadne enquanto o minotauro, à espreita, aguarda o momento exato de dar o bote. Se arte aqui é mato, ainda morro disso, Aline.

Ao levar minha amiga Maurilia de volta para casa, dizia a ela o mesmo que falei para Ana dia desses. “Estava há dias para vir te visitar”, mas estou em uma fase que para visitar alguém preciso ter um firme propósito. Cada qual em seu casulo e a vontade de frequentar a outros tem tido o valor do melzinho saboreado na própria colmeia. A gente sabe que em matéria de arte, nem sempre se agrada a todos. Mesmo sendo doce, como o mel da abelha, há sempre o risco de se ver de frente, ou ser golpeado pelas costas pelo discurso contrariado do zangão, não é mesmo? Sendo assim, parangolé, meu irmão!!

*Luiz Renato de Souza Pinto, poeta, professor, pesquisador de literatura, ator e eterno Caximir

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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