Por Carole B.

Porque a flor nasceu sem nome e reverencia o vento,

já não importa
o casco azul
onde escondes
teu diário
quando o aceno
improvisado
rasga o centro,
às quatro em ponto,
enquanto o café
borbulha afinado
ouvindo Coltrane
ao sol do encontro.

Não importa a tua língua,
tampouco o idioma;
não importa o mioma,
o gozo, a bomba,
nem o fumo
que me traga
ou a cicatriz
que trago
costurada com zelo
sob luvas
de verão.

Vê:
nasceu uma flor
que reverencia
o vento
enquanto deslizas
tuas botas largas
com os pés gelados
por dentro.

Não importa a tua casa
que ainda mora
no meu leito
nem importa se eu me deito
sem meu lenço
e sem cansaço
sob a foz
da chuva rasa
que traduz
outra estação
(o bom senso,
muitas vezes,
é a censura
da razão).

Não importa a pena, o peso
ou teu desprezo
ao meu degredo
e importa, muito menos,
a foto do casal
ameno
que abraça um chope preto
e o sanduíche de salmon
sem suspeitar
que existe
o medo.

Não importa que o amor
seja apenas
a cena
a porta aberta de um cinema
ou dividir o maço, o táxi
ou consumir em Ipanema
ou debater, na imagem, o tema
ou, ou.

Simplesmente não importa
que alguém jamais se importe:
o poema está sedento –
a flor nasceu
deu vida
ao vento –
deu rumo
ao norte.

Blue Train sangra na vitrola –
paixões pesam
sobre a sola
como amigos
de infância.
Não importa o quanto eu cesso,
tampouco se me movo:
os amores antigos
doem todos
no amor novo.

Não importa a tirania
da criança
na fila
ou meu dom para o silêncio,
essa estranha maldição
que molesta
a ironia:
gosto de tudo em ti,
até do que eu não gostaria.

Não importa, sequer,
se o que mais se quer da vida
é a morte.
Não importa a busca, a sombra
ou o porte
do desarme
nem importa o teu ataque
fulminante
ao coração.

Porque a flor nasceu sem nome
e reverencia
o vento,
já não importa mais
o menos
nem importa nada
o não.

*Carole B. é poeta e mora no Rio de Janeiro

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