Confeccionar cinema é algo complexo. Luz, câmera e ação são pequenos detalhes de um quadro muito maior. Para o ator, começa na primeira leitura, no conhecer a história de seu personagem, para o espectador, no apagar das luzes, minutos antes da música indicar o início da história. Para o roteirista, o buraco é mais em baixo.

Antes mesmo de chegar ao papel, formar palavras e diálogos, ditar cenas externas, cenário ou desfecho, a história existe no viver daquele que a escreve. Resultado de suas referências, experiências e cria de seu próprio olhar, o motivo surge antes mesmo da trama, e vira mote para a jornada prestes a começar. Derivada diretamente da vivência de seu criador, a qualidade da história – não do filme – depende da sensibilidade do roteirista.

Se longas metragens são complexos por exigirem uma estruturação mais elaborada de suas cenas e uma maior preocupação com o ritmo e desenrolar de seus acontecimentos, os curtas metragens são complexos justamente pelo oposto. Obrigados a funcionar em um curto período de tempo, cada cena conta e nada pode estar fora do lugar. Seu conceito precisa não só estar bem definido, mas claro o suficiente para transparecer facilmente sua ideia, através dos poucos minutos disponíveis.

Preocupados não só com isso, jovens cineastas carregam consigo a pressão e a ansiedade de expor sua voz ao mundo pela primeira vez. No misto de desejos e sentimentos, roteiristas, diretores e fotógrafos de primeira viagem, precisam sentar e elaborar o melhor possível com suas limitadas habilidades. No cinema independente, carrinho de supermercado vira travelling, pouca luz vira “decisão estética” e os amigos acabam segurando algum refletor em prol do bem maior: fazer cinema.

Com um orçamento apertado – ou inexistente – equipe reduzida e recursos escassos, dificilmente a ideia do roteirista chega no resultado final, sofrendo alterações ao longo do caminho para se adaptar aos recursos disponíveis. Em outros casos, o roteirista – diretor de seu próprio filme – desenvolve uma história pensando em suas limitações, extraindo o máximo de seus recursos e criando sua própria linguagem cinematográfica no processo.

No dia três de agosto, João Fincatto apresentou aos olhos do mundo seu primeiro curta-metragem, Exposto.  Exibido na sessão competitiva “Soy loco por Tí America” junto com outros cinco filmes, o trabalho dirigido, roteirizado e fotografado por João é exemplo claro do surgimento de sua própria linguagem.

Gravado em abril deste ano, sem orçamento e com equipe reduzida. O curta que conta com a atuação do ator Caio Mattoso (Eu Nóia, Colapso Narciso) expressa em seus quatro minutos de duração o rugir abafado do novo cinema cuiabano. Fruto de uma cidade que cresce segundo a segundo e fermenta cultura em suas raízes, “Exposto” se junta a trabalhos como “S2” de Bruno Bini, numa linha de filmes que apresenta à Cuiabá as crises e relações da cidade-metrópole.

Sufocado pela cidade que o envolve e cresce de maneira feroz e descontrolada, o protagonista de “Exposto” busca incessantemente por alguma conexão que o traga segurança. Entre as grades de seu prédio, experimenta a água da chuva e a fumaça entorpecente com uma ânsia desconcertante. Com um ritmo acelerado e uma trilha sonora que não só embala mas envolve, o curta de Fincatto triunfa como experiência cinematográfica. Em poucos segundos estamos lá, entre presas e predadores, entre carros e concreto, entre a chuva contida e os passos apressados de Caio Mattoso.

Lidando com maestria com suas limitações, Fincatto entrega uma fotografia não só competente como visualmente impactante. Seu domínio de luz e sombra cria quadros elaborados e desenvolve uma linguagem própria ao dialogar com suas referências sem apoiar-se nelas. A edição de Marcelo Sant’Anna é outro triunfo a parte, fazendo Caio se dissolver numa sequência que rompe a realidade do filme e nos lança num buraco de incerteza entre sonho e paranoia. É um filme completo mesmo sem ser perfeito. Fruto de suas próprias limitações, o filme não tenta ser maior do que é, e tão pequenos são seus percalços que sequer mancham o filme. Exposta fica a qualidade de um diretor promissor com um excelente olhar fotográfico, e a certeza que podemos esperar bons frutos dessa terra quente chamada Cuiabá.

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