Por Luiz Renato de Souza Pinto*

Um dos grandes escritores brasileiros ainda vivos, Carlos Heitor Cony, há alguns anos confessou que gosta de ler os clássicos. Que não se aventura a ler romances de autores novos porque teme não gostar e, como quer sempre ter a certeza de que a leitura será proveitosa, prefere reler algum clássico que o satisfará, do que arriscar com alguma decepção literária. Não me utilizarei deste espaço para comentar a opinião do artífice, mas reflito há algum tempo sobre essa máxima.

Cezar Tridapalli

Ao longo deste ano de 2017, pude ler alguns livros de autores relativamente novos (não falo aqui de idade), mas que já têm arrebanhado leitores no Brasil e no exterior. Cezar Tridapalli, Carol Bensimon, Maurício de Almeida, Franklin Carvalho, Mario Rodrigues e ainda tem o Rafael Gallo que está na fila, com seu rebentar. Do curitibano Tridapalli, li o Beijo de Schindler e pequena biografia de desejos, lapidares no estilo que, a meu ver, combina os experimentalismos oswaldianos a quem a crítica atribuía influências futuristas, com maneirismos curitibanos na linha de um Dalton Trevisan, por exemplo. Uma prosa ligeira, mas repleta de erudição. Cezar ministra oficinas e cursos de produção literária com foco em narrativas, como boa parte dessa safra de escritores que vão dos vinte e cinco aos cinquenta anos de idade.

Carol é uma inquietante porto-alegrense da qual li Sinuca embaixo d´água e Todos nós adorávamos cowboys. Em seus romances percebo um hibridismo de culturas, não só de linguagens, o que traz para a narrativa brasileira contemporânea o olhar multifacetado da cultura americana, matéria prima de seu novo livro que está brotando agora e que traz no bojo de sua escrita o olhar atento de Luis Antonio de Assis Brasil, mestre da escrita criativa no Brasil. Maurício de Almeida (A instrução da noite) e Franklin Carvalho (Céus e Terra) estão nas nuvens. Os dois foram agraciados com o prêmio São Paulo de Literatura deste ano, abocanhando cada um R$ 100.000,00 nas categorias autor estreante com menos de quarenta anos (Maurício) e com mais de quarenta (Franklin), o que por si só já diz muito! Maurício é antropólogo de formação e o bom baiano Franklin Carvalho, jornalista militante na terra de Caymmi e João Gilberto, o que é muito melhor do que dizer de Antonio Carlos Magalhães.

Mário Rodrigues

Mário Rodrigues é professor de cursinho pré-vestibular na simpaticíssima Garanhuns, região agreste de Pernambuco. Dono de uma aridez linguística penetrante, foi finalista do Jabuti este ano com o livro de contos Receita para se fazer monstros, em que devassa o universo infantil trazendo à tona o cotidiano brutal e nefasto de crianças que encontram na maldade um jeito de ser e de viver. Coisa que não vi em Capitães da Areia, de Jorge Amado, nem Oliver Twist, de Charles Dickens.

Letícia Wierchowski

Pude ler também quinze romances de Letícia Wierchowski, que convive com o epíteto de autora da Casa das Sete Mulheres. Nem só de romance histórico vive esta mulher, embora confesse que sendo admirador do gênero, tenho certa predileção por essa faceta de sua obra. Recomendo a todos, mas com especial indicação seu Uma ponte para Terebin. O mais novo romance de sua lavra já está nas lojas, Travessia – versa sobre o romance entre Giuseppe e Anita Garibaldi. Já tenho, mas ainda não li. Ocupo-me no momento do único de Ana Miranda que ainda não possuía e trouxe agora do Ceará: O peso da luz: Einstein no Ceará.

Renan Inquérito

Renan Inquérito, rapper que esteve em Cuiabá há poucos dias, apresentou-nos um “raper tório” em que se misturava o cordel e a música pop com sua visão de centro e periferia. Renan já gravou com Arnaldo Antunes, que frequentou os salões da poesia concreta, tal qual Carlito Azevedo, que conheci enquanto era estudante de letras na UFRJ e frequentava minha banca de livros usados, o “Sebo Lero”, enquanto gazeteava alguma aula que não lhe parecesse interessante. O novo e o velho sempre em mutação. Transmutação. Desconfio das rupturas.

Modismos à vista no universo inquietante da atualidade. Essa pecha acompanha ao ser humano desde sempre. Foi assim com Cristo, com Marx, Freud, Einstein, e não apenas com judeus, mas com etnias e povos que indistintamente lutaram pelas transformações. Como Judite Butler, por exemplo, que enfrenta moinhos de vento e a Ku Klus Klan em suas inúmeras derivações contemporâneas, a temperaturas dissonantes e ignorâncias generalizadas. Não precisa ser, nem estar; não é preciso que se concorde ou discorde, mas que se respeite.

Já tive meus vinte e poucos anos. Concordo em parte com a opinião do Cony, por isso tenho me deliciado com Josué Montello, com Érico Veríssimo e Machado de Assis. Mas foi maravilhosos falar desses novos autores já com penetração midiática e com espaço no mercado editorial. Melhor ainda tê-los conhecido e trazido para perto de meus alunos, em minha cidade. O conhecimento não tem limites. A ignorância parece também não o ter. E assim o mundo gira, os cães sempre ladrando, enquanto a caravana passa. Flores de plástico vão se despetalando na estrada da vida. MAL-ME QUEER?

*Luiz Renato de Souza Pinto é professor, poeta, escritor e ator.

 

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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