Na terra do garimpo, o ouro correndo pela água em sangue, descendo o Morro da Luz até as Lavras do Sutil, molhando os pés descalços com as mãos cansadas de procurar pepitas.

Os olhos voltados para o céu a rogar pelo fim da vida, da miséria dos dias, enquanto a igreja impassível via o tempo escorrer com a chuva que lava todos os pecados em silêncio.

Lá do alto do morro, o santo pretinho a abençoar toda esta terra, todo este povo, nascido do sangue e do ouro. O pensamento voava e parava sempre aos pés do santo. São Benedito. A face transparecia esperança, o olhar voltado aos céus, pedia por um milagre.

As lágrimas banhavam sua confissão ao padre em palavras mal elaboradas balbuciadas entre soluços inquietos de um corpo que jazia frio.

Para libertar toda essa dor, de toda a morte que rodeava a memória de um povo que não nasceu para chorar. Mas, não podia conter as lágrimas, só conseguia se lembrar da última noite, da missa clandestina.

Nossa Senhora do Rosário não iria se importar – pensava, porque todo negro se reunia fora da sua igreja para rogar um milagre ao santo pretinho, o São Benedito, conhecido por estar sempre pelos pobres, negros, doentes, desamparados.

A culpa consumia seu coração cristão. Ele acreditava em Deus, só não entendia porque os negros não podiam entrar na igreja, participar da missa, receber a comunhão, se todos eram filhos Dele?

Era São Benedito quem amparava toda a fé, de Sol a Sol, a tatear pepitas no rio raso, e a levar para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário seus negros, para que o seu cântico pudesse abrigar. Era São Benedito que acalentava o choro da mãe que perdeu o filho.

Era só São Benedito que podia enterrar a distância entre o céu dos brancos e o céu dos negros.

Ele não sentia ser maldito, porque sabia que para o santo pretinho, devoção não é pecado. Era o olhar do padre que gritava HEREGE.

– Mas, seu padre, porque preto não pode rezá?

Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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