Por Jorge Ialanji Filholini*

Morta na mancha da própria urina. Na mão direita o cigarro gasto empoeirando o colchão de cinzas. Lençóis amassados, cama bamba, a recepção do hotel havia prometido consertar o estrado. Não deu tempo.

Como ficará a conta? O gerente não perdoa. Quem está morto agradece por não precisar pagar a diária.

Esculacho do destino, logo ela que sonhava morrer em Paris ou Miami. Faleceu de férias em Maceió.

Calor. Pediram para desligar o ar-condicionado. A polícia já vai chegar. Os hóspedes se acumulam no corredor. Cancelaram os passeios. A piscina está vazia. Olhos em cima de olhos. Queremos ver o corpo.

No escritório de venda de produtos domiciliares, ela trabalhava atendendo reclamações e insultos de clientes insatisfeitos. Se soubessem que na segunda-feira não ouvirão lamento, senhor! Vou transferir para o setor de trocas! Calma, senhor! Não posso fazer nada! Vaca é sua mãe!

Pensarão: foi-se mais uma vagabunda. Quero é saber do meu aparelho de cortar gramas.

tu tu tu tu tu t u t u t u

Corpo na beira da solidão. IML. Não conseguem encontrar os parentes. Perícia demorará duas semanas para entregar a papelada da causa da morte.

Se seu Angenor e dona América, pais da morta, usassem celulares, esta situação já estaria solucionada. Não, celular pra quê? Nem sei mexer! Na minha época nem existia isso!

Confiou na filha,

Desanimou ao ver no noticiário o nome completo, idade e foto 3×4.

GRITOU!

Esbarrando-se na parede, dona América caiu no chão

Bateu no marido

Socou as louças

Culpou os deuses por levar sua cria

Ironia, as duas discutiram feio antes da viagem a Maceió – foi o que escutei aqui do lado do muro!

Desculpas? – Agora será impossível, mamãe.

A autopsia já vai ser emitida? Sem resposta! Assassinato? Mas ela era feliz! Dizia a vizinha farejando fofoca.

Imprensa espalha microfones: o que levou Letícia a morrer desta forma? Mas que forma? Quem se importa? Vira a folha do jornal,

ESPORTE – p.E3 MANCHETE: “INVICTO CORINTHIANS CONQUISTA AMÉRICA”.

– Triste notícia em Maceió. Letícia, uma moça ainda jovem. Em Brasília são oito horas e trinta minutos. Agora, que tal se programar para o feriadão?

domingo.

segunda-feira.

terça-feira.

quarta-feira.

quinta-feira.

sexta-feira.

sábado.

Na semana já esquecida. Conceição, moradora próxima da Praia de Guaxuma, limpa os quartos do hotel, sonha em deitar com o seu marido em uma das camas da suíte de luxo do décimo quinto andar. Trinta anos de casamento, vamos comemorar depois do expediente. Enquanto não bate o ponto. Tira e põe lençóis para outros casados.

No quarto em que morreu Letícia, Conceição encontrou a cartela vazia de Clonazepam e uma carta para um tal de Carlos Alves do Nascimento.

 

 

*Jorge Ialanji Filholini nasceu na cidade de São Paulo, em 1988, mas reside há mais de 20 anos em São Carlos, interior do estado. Cofundador do site cultural “Livre Opinião – Ideias em Debate”. É um dos curadores do Festival Gaveta Livre, evento literário e teatral realizado em São Carlos. Fez parte, ao lado do escritor Marcelino Freire, do projeto Quebras, como produtor e assistente de multimídia. Participou da antologia, lançada em novembro de 2015, com textos e fotografias que desenvolveu durante a sua viagem pelo projeto. “Desnuda”, conto gentilmente cedido para o Cidadão Cultura, faz parte do livro “Somos mais limpos pela manhã”, que será lançado em 2016, pelo selo Demônio Negro.

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