Formas, cores, luzes e espelhos criam um universo sensorial e imagético. É como se uma fenda no espaço/tempo fosse aberta e nos tragasse para outra dimensão. Uma dimensão que nos alcança de imediato. O primeiro impacto são com as cores e as formas que se confundem nos quadros, mas revelam padrões matemáticos, a necessidade do cálculo para se chegar a uma perfeição ao infinito.

As cores te engolem, você é tragado e de repente se vê em um buraco negro. Uma estrela. Uma explosão de luz com as cores do céu, do Universo, do arco-íris. Até aqui você é apenas um espectador. Você consegue enxergar todos os espectros das cores, mas ainda não entrou no estado de imersão. As cores ficam para trás e você avança, sem saber muito bem o que te espera do outro lado. Os passos são vacilantes enquanto sua percepção assimila aos poucos o espaço que te cerca.

A escuridão entra no jogo e revela formas. Seria ilusão de ótica? As esculturas estão em movimento? Os espelhos te refletem e você se assusta com o seu pertencimento como obra de arte. É você, o espectador, que é alcançado e transformado pela arte, o principal receptor deste universo sensorial e imagético. Você está imerso. O mergulho neste infinito jogo de sombras aconteceu. Você virou para um lado e todo o seu mundo ficou atrás de si. Agora, é só você e Le Parc. É só você e toda a experiência imersiva, sensorial, imagética que ele criou especialmente para a interação com o público.

A arte rompendo as barreiras entre autor e receptor. A arte sem nome, sem rosto, sem autoria. É a arte que se encontra em cálculos matemáticos, a arte que reflete uma luz em um espelho e cria uma onda mágica de sensações inusitadas. Você deita e as luzes te banham, como se um céu estrelado recaísse sobre o seu corpo tão pequeno, tão ínfimo diante de um universo tão grandioso.

Você refaz todos os seus passos. Você interage com todas as peças. Você é Le Parc. Le Parc assume a ação e a forma. Você caminha e está em um mundo de espelhos. Você pode ser Alice em busca do coelho. O mundo dos espelhos te faz perder os sentidos e a direção. Você pode ser o reflexo, a luz, a sombra. É um labirinto e você dá voltas em torno de si mesmo.

Sobe em cima de caixas de madeira que vacilam conforme você avança. Um passo em falso e você alcança o chão. Mas é tudo uma brincadeira, uma interação. Sinto meus pés nas caixas de madeira, a risada de criança podia ser a minha, mas elas também estão ali, participando, interagindo, vivendo a forma e a ação de Le Parc.

As pessoas e seus sorrisos nos mostram que algo mudou ali dentro delas. Nada mais será como antes. O mundo não é só um lugar de espelhos vazios. A arte está em todos os lugares. Pode ser o que queremos que seja. São os nossos olhos os responsáveis por adquirir sentidos para essa breve existência. Respirar os ares de Le Parc, enxergar através da sua ótica, viver a ilusão criada, mergulhar nos sentidos que te abraçam. O artista argentino alcançou o que todo artista busca, transformar pessoas, realidades, mundos através da sua interpretação do que pode ser a arte. E em um gesto humilde, ele nos oferece todas essas possibilidades e nos devolve esse sentido de pertencimento, é como se ali pudéssemos sentir como é ser pequeno e grande ao mesmo tempo. A nossa imensidão nessa dimensão chamada vida.

“Produzindo nos últimos sessenta anos, Julio Le Parc definiu sua prática artística como uma contínua busca pelo engajamento e empoderamento do público. Impulsionado por um sólido etos utópico, ele continua a encarar a arte como um laboratório social, capaz de produzir situações imprevisíveis e ludicamente evocar a participação do espectador de novas maneiras.

(…) Entre as inovações mais radicais de Le Parc estão as passagens labirínticas infundidas de luz, o uso de transparência para criar espaços desestabilizadores e para desorientar a percepção visual, assim como suas primeiras séries de estudos cromáticos e uso de elementos de jogos nos trabalhos.

Le Parc é uma figura central na história da arte, especialmente a da participação e cinética. Nascido em 1928 em Mendoza, na Argentina, ele passou seus anos de formação em Buenos Aires antes de mudar-se para Paris em 1958. Lá, desenvolveu sua prática em contato próximo com outros artistas latino-americanos e europeus.

(…) Em 1959, a pesquisa de Le Parc evidenciava seu interesse em desestabilizar a percepção visual por meio de arranjos seriais de cores e formas geométricas que ativam a superfície da tela com permutações supostamente ilimitadas. Como membro fundador do coletivo de artistas Groupe de Recherche d’Art Visuel (GRAV, 1960-68), Le Parc vêm há muito tempo desafiando a ideia da obra de arte absoluta, estanque, favorecendo a experimentação colaborativa dentro de uma vasta gama de suportes. Ao enfatizar o papel do artista como instigador, Le Parc quer transformar a noção de espectador passivo em participante ativo. Como o artista descreve seu trabalho: “A ideia é despertar a capacidade potencial que as pessoas tem de participar e decidir por si mesmas, e levá-las a entrar em contato com outros para desenvolver uma ação comum”,” explica o texto da curadora Estrellita B. Brodsky.

A exposição fica aberta para visitação até o dia 25 de fevereiro de 2018 no Instituto Tomie Ohtake em São Paulo. A entrada é gratuita.

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