Uma das coisas que mais me estimulam no Cidadão Cultura são as conexões que vão se estabelecendo com a participação cada vez maior de colaboradores espalhados mundo afora. Não há limites e isso reforça nossa vontade de formar uma rede criativa, transgressora, impertinente, poética, como troca de experiências e vivências singulares, na escrita, na imagem, no audiovisual, em todas as áreas da arte e da produção cultural. Acreditamos muito na união dos criativos como força de ação e transgressão. O Glauber Lauria, poetaço aqui de Mato Grosso e que mora no Rio de Janeiro me enviou um texto dessa moça que vos apresento e que já publicamos aqui também e ela provocou encantamento e seduziu pelo texto. Essa conversa fluiu de forma bem natural e serve bem para que possamos conhecer um pouco mais sobre seu trabalho.

carol b a boaQuem é Carole B. e de onde?

Carole B. é uma persona que protege a minha pessoa. Eu sou a Carolina, ou a Carol. Nasci no Rio de Janeiro, cresci em Brasília, renasci no Rio e cresço ainda por aqui… até quando, eu não sei – porque as mudanças me sequestram. Mas não sou de onde nasci, nem de onde estou – sou da caminhada. Escrevo, gosto de ilustrar meus textos e encontrei a síntese entre essas duas paixões nas publicações independentes: os zines e os livros de artista que eu mesma faço e vendo nas ruas em troca de contribuições livres – cada pessoa paga quanto quer pelo trabalho e ainda tem essa possibilidade de diálogo visceral entre a autora e os leitores (que aliás, muitas vezes, são autores também) e que só estar na rua, no local aberto e público, pode nos proporcionar.

Por que escreves?

Carole B. – Pra não precisar de porquês; pra superar a insuficiência deles e a inexistência de algo que os resolva. Escrever me salva da necessidade de salvação. Ou, me apropriando de Drummond, escrevo porque sozinha não posso explodir a Ilha de Manhattan.

carolePara quem escreve e como faz para circular o texto?

Carole B. – Escrevo pra qualquer pessoa que queira ler. Não tenho na minha cabeça esse conceito de “público alvo”, eu sou promíscua mesmo, atiro pra todos os lados. Por isso gosto de vender na rua e deixar que as pessoas escolham o valor que querem oferecer pelo trabalho. Quem tem paga por quem não tem e assim a gente subverte um pouco a lógica do mercado. Os públicos mais diversos compram poesia na rua; a poesia de rua é essencialmente popular no sentido do acesso e isso é maravilhoso. Quando fazem aquelas pesquisas sobre “o quanto o brasileiro lê”, ninguém leva em consideração a poesia de rua. Não que ela fosse mudar as estatísticas, seria extremamente ingênuo dizer isso, mas faço questão de frisar sua existência e resistência, porque realmente não vejo a poesia de rua sendo ao menos considerada quando o assunto é leitura e acesso aos livros.

Tem planos para publicar? Acha o livro importante?

Carole B. – Já publico meus textos em zines e livretos artesanais que eu mesma faço e vendo. Inventei uma editora ficcional chamada Cartucheira Press e assim me auto-publico. Ficcional porque não tem registro formal, mas ela existe… assim como o invisível traz visões… ou o inconsciente nos move. Não considero as publicações de grandes editoras necessariamente melhores ou piores do que o zine ou o livro do artista que vendo na rua. São nichos diferentes, cada qual tem seu valor e também seus próprios calos. Nesse sentido, já me sinto bastante publicada….rs. Mas não tenho preconceitos, entraria tranquilamente em algum projeto editorial maior, se me sentisse por ele contemplada. Acho o livro muito importante sim, não apenas como folhas que carregam um conteúdo, mas como forma, objeto de arte. Gosto de fazer meus próprios livros artesanais, conceituais, e considero o formato zine uma arte também.

Quantos olhos você tem?

Carole B. – Dois milhões. Em cada poro. Mas nem todos enxergam.

zine caroleAcredita na poesia como algo útil ou necessário ou?

Carole B. – Nem tudo que é útil é necessário; a poesia, por sua vez, é inútil, mas completamente necessária. A poesia é o sopro no barro, a engenharia do que não se pode tocar. Sem ela todo resto esmorece.

Quais poetas dormem em sua cabeceira?

Carole B. – Arthur Rimbaud, Alejandra Pizarnik, Sylvia Plath, Ana Cristina César, Wisława Szymborska, Emily Dickinson, Carolina Maria de Jesus. Mas não dormem na cabeceira: deitam comigo na cama mesmo. Como amantes. E já que o grande Bob Dylan venceu o Nobel de literatura, acho que posso citar a Joni Mitchell. rs

Tem utilizado a internet para difundir sua arte? O que acha do mundo virtual?

Carole B. – Utilizo bastante! Sou otimista em relação à internet e às redes sociais. É um lugar onde facilmente podemos nos perder… mas a perda muitas vezes leva ao encontro. Conheci e reconheci muita gente bacana, poetas e artistas pela internet. Faço pesquisas que alimentam a minha criação. Tenho vendido meus trabalhos pela internet também – e isso me ajuda bastante quando estou sem energia pra encarar a rua (até dos maiores amores precisamos descansar, sob pena de virarem pesadelos). Claro, temos que nos aproximar da internet com senso crítico. A questão da vigilância na rede me assusta, ainda mais nessa conjuntura política mundial, em que o fascismo volta a dar o ar de sua desgraça. Além disso, a rapidez do meio virtual nos induz a pensar menos antes de falar ou escrever, o que pode ser muito ruim… mas também pode ser muito bom – existem improvisos fantásticos, nem tudo que é bom vem de apuro, decoro e demora; há coisas boas que não vêm da reflexão, mas do reflexo. Até porque o reflexo, muitas vezes, é apenas um gesto finamente pensado que aparece num momento impensado. O que precisamos é avaliar e fazer a crítica, e especialmente a auto-crítica, pra nos apropriarmos desse meio com cada vez mais consciência. E não permitir que a virtualidade substitua o que o olho-no-olho mobiliza em nós.

E o seu blog, como tá sendo a experiência?

Carole B. – Gosto do formato de blog porque me dá uma dimensão mais pragmática de tudo que escrevo: quantidade, data, tempo, evolução – não no sentido de uma escala vertical, mas horizontal (porque acredito que evoluções acontecem para os lados; evolução não é linha reta, é vastidão). O blog também me permite publicar textos maiores que às vezes não cabem no A4 de um zine. Já publiquei livretos maiores que uma folha A4, mas ainda nada em que coubessem as prosas poéticas maiores e as cartas. Pretendo fazer isso em breve, aliás. Enfim, acho que o meu blog é muito mais uma forma de auto-organização do que um meio de divulgação, até porque a maioria das pessoas que me lê só visita o meu blog quando o compartilho também em outros lugares, especialmente no facebook. E o curioso é que também percebo que o número de visitas no blog aumenta quando vendo bastante meus zines na rua. As pessoas realmente parecem olhar o “serviço” do zine e acessam meu blog e as redes sociais em que publico textos e ilustrações.

zinesssE os zines?

Carole B. – Zines são uma verdadeira paixão. Quero fazer zines pro resto da minha vida, embora não queira fazer apenas zines – já falei que sou promíscua, eu me engajo em mil projetos – mas sinto que os zines estarão sempre presentes. É mais barato de produzir, permite larga experimentação, cabe no bolso, cabe no coração. Impossível não amar.

Por que faz isso tudo com as letras?

Carole B. – Porque as letras me escrevem. São elas que fazem tudo isso comigo. E que sorte que eu tenho por acontecer assim.

http://caroleblogue.blogspot.com.br/

https://www.facebook.com/bcaroleb/

4 Comentários

  1. parece uma galera da decada de 1980 que conheço, Ferreira essa moça é uma das musas do Sodrezinho que ele não conheceu, massa demais a entrevista!

  2. verdade Balbino, Sodré certamente se apaixonaria pela Carole B, como tantas musas e amores platônicos que cultivava nos jardins das delícias poéticas. afff

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