Por Wender M. L. Souza*

Odair de Moraes possui um grande poder de concisão para transmitir suas ideias, sua arte. Fato comprovado em seu primeiro livro, feito de forma artesanal, “Com a corda no pescoço”, o qual continha 10 haicais – poema lírico que consiste em estrofes de 3 versos, no qual o fenômeno da natureza é uma extensão do sentimento do ser humano. Nesses poemas, tenho a impressão que Odair, de uma certa forma, subverte a “essência” da temática do gênero ao centrar-se mais no homem que na natureza. E o homem em seus sabores e dissabores, que formam o eixo que impulsiona e trava o mundo ao seu redor, é o tema do segundo livro de Odair, “Contos comprimidos (Tweet story)”, 2016, editado pela Multifoco. O livro possui 100 microcontos que falam sobre personagens em situações cotidianas. Os dois livros têm como protagonista a personagem, o ser humano.

Antonio Candido, ao falar de Lima Barreto e sua obra literária, disse que “a literatura devia ter alguns requisitos indispensáveis. Antes de mais nada, ser sincera, isto é, transmitir diretamente o sentimento e as ideias do escritor, da maneira mais clara e simples possível. Devia também dar destaque aos problemas humanos em geral e aos sociais em particular, focalizando os que são fermento de drama, desajustamento, incompreensão”. O que Candido diz sobre Barreto vale para Odair, pois tanto sua estética quanto seu leitmotiv assemelham-se ao do escritor carioca, já que a narrativa do escritor mato-grossense é clara e sem digressões, sem, no entanto, serem fáceis e digeríveis de imediato, e sua temática é sempre a pessoa comum em ações ordinárias, porém transformadas em extraordinárias pelo olhar do autor, “Lauro não quer o filho catando papelão que nem ele. Uma expectativa: “Quem sabe as coisas comecem a mudar, conseguindo uma vaga na creche”. Em 140 caracteres, Odair se propôs a escrever sobre personagens comuns, vistas no dia a dia e exprimiu literatura com empatia a suas personagens e respeito a suas histórias, mas também com malícia, como no “Conto 47”: “‘Entra jovem. Vamos tomar um suco’. E foi assim que, de repente, Jorge se livrou do aluguel e tornou-se sócio na lanchonete de Lucy, 50”. Em uma linguagem concisa, mas carregada de significados, “Contos comprimidos” tange a realidade para despertar reflexões social e existencial.

Apesar da clareza de sua narrativa, já que também se tratam de microcontos – história em poucas linhas –, a estética da obra de Odair é complexa, também por tratar-se de microcontos, pois intenta falar muito dizendo pouco, são poucas linhas para “retratar” o que se pretende, ou seja, a vida de figuras comuns em momentos triviais, depurando a linguagem e cortando “excessos”. Sendo assim, em “contos comprimidos” tudo deve ser visto em pormenores, da sua estrutura até, principalmente, suas personagens. Essas são trabalhadoras ou marginalizadas que sentem seus “problemas” associados às circunstâncias da vida cotidiana. Por serem tão humanos, cabe ironia na narrativa, pois são heróis sem serem heroificados, não são de camada social abastada, que vivem suas “aventuras” e seus problemas existenciais em situações incomuns. Se a construção do herói na narrativa reflete um contexto histórico e posicionamento ideológico do autor, como sugere Flávio Kothe, em “O herói”, Odair faz uma escolha ao “retratar” esse tipo de personagens, consideradas baixas, ou seja, que representam o povo, com leve humor, mas sem tratar-se de uma sátira. Em cem contos, são essas personagens que saltam aos olhos, cada uma com seu problema e cada uma com uma “bem sacada” reflexão do autor para cada história.

*Wender M. L. Souza - poeta, mestre em Estudos Literários (Meel/UFMT) e autor do 
livro Piedade, de José de Mesquita. 
Uma costura de textos (Novas Edições Acadêmicas, 2014).

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