As nuvens se dissipam e revelam aos poucos um sol implacável. No ônibus lotado as pessoas vivem suas brasileiras pressas, sorrindo ânsias e dando fartas gorjetas ao rapaz esgoelado que canta Zezé Di Camargo e agradece as moedas com um sonoro e mecânico “obrigado glória a deus”, assim mesmo, sem pontuação. A poucos minutos dali, do centro de Foz do Iguaçu, um universo desenrola-se paralelamente. A Ponte da Amizade treme sob centenas de carros, caminhões, motos, vans e bicicletas, e a fumaça dos veículos se mistura ao mormaço numa nuvem de fuligem que desce do céu e irrita os olhos brilhantes dos compradores. O formigueiro paraguaio se revela um microcosmo que pulsa vidas, línguas, crimes e propostas num ambiente que foge ao controle de qualquer autoridade; roupas, eletrônicos, comidas, drogas, prostituição. Aos gritos, aos cochichos, de boa e de má fé, os olhos se perdem nas cores e cheiros e letreiros luminosos. Produtos americanos se misturam aos sotaques brasileiros, à língua solta do guarani e do espanhol, e em cada esquina o termo cyberpunk se faz presente: hightech/lowlife. Montanhas de gadgets em shoppings mambembes, templos caídos do capitalismo, escadas que levam a porões abandonados e vendedores que cospem promessas e armadilhas, “patrón, patrón, qué procuras?”. De um lado do vidro, produtos caros e celebridades em 4K. Do outro, a miséria em 3D, com seus cheiros e moscas. Shopping China dentro do Shopping Paris. Shopping Dubai. Lojas Nippon. A guarda municipal bebe cerveja de farda enquanto assiste aos motoqueiros sem capacete costurarem as veias do trânsito, e em meio ao fluxo da vida e às variações de câmbio um estrangeiro mal-informado registra na retina detalhes inúteis de uma só face da cidade, pensando no momento de voltar ao confortável hotel do outro lado da ponte e jogar no papel as parcas frases que conseguiu formular. Dessa experiência em forma de mosaico, fica a impressão de que talvez a vida seja uma jogada arriscada num cassino aleatório caído e sem brilho que um dia tentou imitar Las Vegas. Adiós Ciudad del Este.