Por Eliete Borges Lopes*

O que é a Mostra CineCaos?

A ideia do CineCaos é a de outro tipo de mostra audiovisual, que não aquela que visa a contemplação clássica, a contemplação que visa o belo. Porque o belo para essa ideia de contemplação é quase sempre aquele ideal de equilíbrio e de asceticismo, de algo limpo, clean.

O CineCaos investe numa outra lógica de produção do audiovisual, de um audiovisual menos comprometido com qualidades técnicas muito formais, é um audiovisual menos pretencioso neste sentido. A Mostra investe nas temáticas pouco atraentes, que não possuem glamour e que não tem muita representação política, no sentido do arrebanhamento do cult, por exemplo, ou do cinema de protagonismo ou histórico, não é filme pra quem quer afirmar e mostrar que tem cultura. É corte seco, um susto pro olho.

caosO CineCaos nesse sentido busca ser do contra, contra-cultura, como foram os Beatniaks, os Hippies, e assim vai… O que a gente quer é buscar os filmes que mostram o que há de improviso, experimento, invenção e de caótico na vida e na produção do cinema e do audiovisual. Outro dia vi um clipe do Jimi Hendrix em cima de um palco super simples cantando num microfone improvisado com uma espuma amarrada com o que parecia ser uma borrachinha dessas de amarrar dinheiro e ele detonando como sempre, toda sua alma, cara… é isso… A vida crua… aquela em que se deixa cair propositadamente algumas das máscaras mais convencionais, como as de civilidade, bom senso, sobriedade nas escolhas, nas falas, nos temas, nos ângulos, e a Mostra do CineCaos é um pouco disso, é um cinema sem frescura, digamos assim. Vamos chamar de frescura a “finesse burguesa” que a tudo adorna, tudo enverniza, tudo organiza.

Esse cinema trata de burlar essas coisas que não colam com as experiências e de trazer o que é sujo, grotesco, mal acabado e muito colado com a realidade. O cinema brasileiro e o cinema latino tem muito dessa estética, vou citar apenas alguns brasileiros que dão essa dimensão: A febre do Rato, Mundo-Cão, O homem do ano e O matador, e assim vai… Nossa melhor riqueza é a estranheza que causamos, nosso olhar é diferente, não é viciado em Roliúdi. Nosso rock também é assim.

hqdefaultO cinema nasceu um pouco dessa onda, não é? De conceber imagens numa espécie de fuga da fotografia e também como uma alternativa a fugir da expressão teatral, e essa linguagem é muito promissora, parece até mesmo inesgotável. Um bom exemplo dessa trajetória de cinema maldito é Freaks, um filme em que os protagonistas são atrações de circo, pessoas com alguma deficiência ou traços vistos como hediondos, escabrosos aos olhos mais padronizados na estética Roliúde que falamos.

freaks-1932Existe todo um segmento preocupado com a estética do feio, mas não acredito que isso seja maioria nos tipos de filmes que estamos escolhendo, os filmes são mais invencionices de seus diretores que bebem muito de uma cultura alternativa, fora do circuito e que valora aspectos absolutamente diferentes dos que o segmento mais formal do cinema releva, são as loucuras dessas mentes insanas e não formatadas pela lógica do filme, eu diria que nem é filme, mas não ouso a dizer o que é.

Os cenários, as interpretações, as maquiagens e outros, não escondem a irrealidade e a falta de cuidado técnico, e por vezes são feitos de maneira a revelar o que não deu certo, é um cinema do fracasso, do erro, da inexatidão. Não existe uma harmonia entre dimensão estética e a técnica.  Não existe uma razão de ser além de si mesmo, no sentido de que o filme é o que é, e dele não se tiram discussões filosóficas, nem achados de sabedoria, a ideia é desconstruir essas ideias classicamente vendidas como importantes e fundamentais para a vida e dizer: Não! Existem outras coisas que estão na superfície e não possuem tanta “profundidade e sabedoria” assim e que são igualmente importantes por “deseducar” o olhar, promover um olhar mais rude e menos fino e neste sentido é uma grande possibilidade de fazer do cinema uma espécie de retrato nu, da vida como a vida é. Abdicar da estética que tudo torna igual, fugir da mesmice, procurar a estranheza, o bizarro, o absolutamente diferente.

489848.jpg-c_520_690_x-f_jpg-q_x-xxyxxA produção nacional amadora é enorme, os temas de violência, sangue, sexo, crítica social, bizarrice e humor politicamente incorreto, esses filmes buscam mostrar as deficiências, as faltas, as loucuras da vida humana e daí a inventividade e também a ousadia de não ser útil. É um cinema e audiovisual que não serve pra nada e ao mesmo tempo como um paradoxo trata temas polêmicos, tabus, traumas e aspectos da vida que ninguém ousou tocar.

Essas produções subterrâneas do cinema e do audiovisual são um desafio, tanto ao segmento mais formal, já que podem se ressentir da qualidade da produção e do que nos propomos a mostrar, quanto ao público menos “chegado” a essas temáticas, ou diríamos simplesmente menos abertos.

O que desejamos é com um pouco mais de fôlego construir algo coletivo em que o segmento do audiovisual e do cinema de Mato Grosso possa colar com a gente e produzir junto, fazendo oficinas e apresentando o resultado da nossa demência potencializada coletivamente ao final do Mostra CineCaos III, mas isso se sobrevivermos a esse agosto rsrsrsrs.

A ideia é revelar uma produção alternativa em Cuiabá, nem sempre contemplada pelos festivais e que passa longe dos circuitos de exibição comercial, mas que pode esconder preciosidades da crítica social, da irreverência da loucura e da pirataria.

O que: Exibição de filmes sobre o mundo cão e escatologias afins.

Quando: 20/08 – 19h30

Onde: Cineclube Coxiponés

Quanto: Entrada Gratuita!

*Eliete Borges Lopes é professora e artista. Atualmente cursa Doutorado em Educação no Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) na Linha de Pesquisa – Movimentos Sociais, Política e Educação Popular. Curadora da Mostra Cine Caos II.

 

 

Comentário

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here