Por Luiz Renato de Souza Pinto*

Gosto do contador de história quando ele consegue se fazer ouvir com as coisas mais simples do mundo; quando consegue mobilizar e promover um sorriso discreto em uma alma tímida; quando consegue dizer que ouvir é o primeiro passo para se ler, para compreender, para conversar, para trocar, para buscar e encontrar desejos. O contador pode estar presente na família, onde a troca de informações faz a história do nosso dia; pode estar no professor, quando através de uma história passa novas informações; pode estar no advogado que, contando sua versão da história, mostra a culpa ou inocência de um ser, e pode também estar no artista, que simplesmente conta histórias para despertar prazeres.

(PAULA, Joaquim de. Formação do contador de histórias. In: Anais VI Jornada Literária de Passo Fundo. Passo Fundo: EdUPF, 1997).

Em quinhentos anos de colonização portuguesa, os investimentos em educação nunca foram suficientes para dar conta das demandas sociais. Problemas estruturais do ensino público, bem como o alto custo do ensino privado, dificultam a implantação de medidas que abranjam o todo da sociedade brasileira. Aliada a essa questão genérica adicionamos a falta do hábito de leitura nas famílias, que reflete a má formação do indivíduo no que diz respeito à compreensão e interpretação de textos, criatividade linguística, dentre outros aspectos menos importantes; o que aumenta em muito a responsabilidade da escola.

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Paulo Freire

A leitura de mundo precede a leitura do texto escrito, como nos ensina o mestre Paulo Freire, embora a pedagogia moderna se esforce para minimizar tais dificuldades, sem grande êxito, sobretudo no que diz respeito à tutela das crianças em fase pré-escolar de famílias de baixa renda. Atividades extracurriculares no campo das artes e cultura em geral potencializam o envolvimento emocional dos indivíduos ampliando sua visão cognitiva e percepção sensorial do mundo ao redor.

Devemos potencializar na criança a capacidade de se posicionar com relação a toda e qualquer atividade desenvolvida em seu dia-a-dia, fortalecendo a opinião, a iniciativa para resolver problemas, equilibrando aspectos racionais e emocionais na disciplinarização dos sentimentos. Para tanto, vejo como necessário promover a interação da verdade poética com a verdade factual, cotidiana na somatória de elementos capazes de promover a formação adequada do caráter e sentimentos de ética e justiça. Desenvolver habilidades e interação entre textos orais, representação didática, linguagem cênica e demais aspectos lúdicos também contempla esse conjunto de ações que pode ser desenvolvido em qualquer local, para qualquer clientela.

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Maurício Leite

Em Cuiabá temos vários contadores de histórias que vez ou outra aparecem com seus trabalhos para abrilhantar o universo teatral e literário de nossos espaços culturais. Pude trabalhar com um deles há algum tempo, Maurício Leite, hoje internacional, com sua mala de leitura e objetos afins. Mas temos a Alice, Carlão dos bonecos, com suas travessuras, Luis Carlos Ribeiro, decano de nossas artes cênicas, dramaturgo de boa cepa e muitos outros de safra mais nova, nem por isso de menor qualidade.

O mês de abril se aproxima, e com ele mais uma edição da Semana SESC de Literatura. Palco de muitas histórias e de atuações marcantes na dramaturgia local, o espaço do Arsenal receberá nomes importantes da nossa literatura oral e escrita, locais e de fora, mas quem estará em primeiro plano, a quem o foco será destinado será a literatura, a leitura, o livro. E é de livros que quero hoje me ocupar.

Quando penso na contribuição de Aristóteles para a formação da literatura da antiguidade e de como a Teoria dos Gêneros estabelecida por ele perdurou durante tanto tempo como elemento canônico dos estudos literários, concluo que sua obra se pereniza para os estudos da diáspora crítica da cultura ocidental. O texto teatral, portanto, antes de representar o segmento cênico, é literário e, como tal, signatário de uma construção sígnica que pactua com a construção metafórica em sua orquestração estrutural.

A Semana SESC de Leitura e Literatura deste ano tem em sua programação uma somatória de atividades ligadas à formação de público que extrapola a representação literária pura e simples. Contações de histórias, oficinas de criação, espetáculos com agendamento, debates, conversas e lançamento de livro trazendo vida para os espaços variados do velho Arsenal de Guerra. Batalhas que se iniciam em 25 e espraiam-se até o 30 de abril, para todos os públicos, credos, orientações sexuais, sem distinção.

Tenho a honra de, ao lado de Yandra Firmo, representar Mato Grosso no Arte da Palavra, do Diretório Nacional do SESC – projeto que conta com roda de leituras, conversas com autores e que também está integrado ao evento, recebendo a participação dos premiados Marcelo Maluf e Jacques Fux para um bate papo (e oficinas), mediado pela professora da UFMT e poeta Divanize Carboniere.

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Marta Cocco

João Gilberto Noll, Suzana Nascimento, César Obeid são outros “sabichões” que nos brindarão com atividades literárias, bate-papos e oficinas. Sabichões, aliás, é o título do novo livro de Marta Cocco que será lançado no evento, que contará com o Parágrafo Cerrado tecendo resenhas sobre cada espetáculo apresentado na semana.

Oficina Culinária Poética, com direito a degustação, Histórias Tradicionais do Mundo, Amor de Clarice e Vanguarda da Memória são algumas das temáticas propostas nas oficinas que antecedem ao “Com a Palavra o Escritor”, roda de conversas a se realizar entre os dias 25 e 26. E teremos ainda Moças Valentes, Contos de Mané, Maanape, Jiguê e Macunaíma, Presente de Aniversário, Violinha Contadeira, Carne e Inhamor.

Ao lado de narrativas sobre a memória, de experimentos cênicos, de Tapetes Contadores de Histórias e muito mais, O Som que o Vento Conta e A Arte de Cantar e Contar Histórias, este encerrando o projeto no Jardim abençoado do Arsenal, local em que as flores sempre vencem os canhões, que agora repousam apenas como adorno neste futuro que já chegou para mostrar que é possível fazer poesia, saber o gosto que a palavra tem na geografia exata dos corpos em estado de latente expectação.

*Luiz Renato de Souza Pinto, poeta, escritor, professor e ator performático
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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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