Lançado no começo do ano no Festival de cinema de Sundance, Capitão Fantástico , quarto filme do ator e diretor Matt Ross, sai agora do circuito de festivais – onde é indicado em mais de dezessete prêmios – para as telas de cinemas do mundo todo. Lançado no dia 8 de Dezembro no Brasil, o filme que conta com Viggo Mortensen, Frank Langella e George Maccay, debate sobre família, sociedade e acima de tudo, a liberdade do ser civilizado.

O longa narra a história de Ben Cash (Viggo), um pai de seis filhos que acaba de perder sua mulher, após anos vivendo isolados do mundo em um pedaço de uma reserva florestal ao norte do pacífico. Tentando honrar o testamento de sua falecida esposa – onde ela afirmava expressamente seu desejo em ser cremada conforme suas crenças budistas – Ben decide embarcar em uma viagem para impedir que seu sogro (Langella) enterre a mãe de seus filhos. Enfurnados em um ônibus escolar, as crianças que passaram suas vidas isoladas da sociedade, lendo sobre os males do capitalismo e aprendendo técnicas de sobrevivência, irão experienciar pela primeira vez o contato com o “mundo lá fora”.

Educados pelos pais, habituados a dura realidade da vida no meio da floresta e suportados pelo conhecimento contido nos livros de Trótsky, Tolstói e dos Irmãos Karamasov, os filhos de Ben são extraordinários em suas mentalidades, mas completamente carentes de qualquer experiência social. Inseridos abruptamente de volta à sociedade, a pequena bolha de liberdade criada na floresta aos poucos começa a ruir.

Dentre os diversos conceitos criados pelo homem, o conceito de liberdade – do existir sem barreiras que limitem nossos pensamentos e ações – é o mais fantasioso e satisfatório. Acostumados a alimentá-lo irracionamente como uma meta tangível e ao mesmo tempo eternamente inalcançável, adaptamos o conceito ao longo de nossas vidas para que este se adeque aos parâmetros possíveis para sentirmos um resquício de felicidade.

Incomodados com a posição do governo e do sistema social em que viviam, Ben e sua esposa decidem criar um universo à parte, onde estivessem “livres” para exercer em seus filhos suas opiniões em relação a mundo.

Ao apresentar como saudável um estilo de vida completamente oposto ao normativo, Matt Ross questiona se a maneira como educamos nossas crianças e vivemos nossas vidas realmente é o unico e o mais vantajoso possível. Através de uma política de liberdade quase total ao indivíduo, Ben cria um ambiente onde as crianças existem como membros ativos de uma socidade funcional, e se mostram dependentes apenas emocionalmente de seus pais e seus irmãos. Uma vez aptos a existir e coexistir com o ambimente hostil no qual estão inseridos, eles precisam agora do amadurecimento emocional necessário para compreender os princípios da liberdade.

Instigados pela curiosidade e o ímpeto adolescente, os filhos mais velhos de Ben começam a questionar sua visão de mundo ao se depararem com as maneiras da socidade. Inapto a dialogar com outros jovens da mesma idade, Bodegard (Maccay), o filho mais velho de Ben, começa a perceber as limitações de sua criação intelectualmente abastada. Isolados do convívio social, as crianças da família Cash retardaram o momento da perda da inocência. Incapazes de comparar os ensinamentos de seus pais com qualquer outro, tem agora em suas vidas a noção de que a liberdade da qual desfrutavam era ela mesma um realidade prisioneira de inúmeras limitações.

É confrontado por esta situação que Ben precisa encontrar forças para dar sentido à morte de sua mulher e descobrir como manter saudável  o ambiente que torna o estilo de vida de sua família possível. Viggo Mortensen entrega uma atuação impressionante, – reponsável pela maioria das indicações do filme – que torna cativante este complexo personagem, um papel facilmente detestável se colocado em mãos erradas, repleto de opiniões feitas para dividir o mais irredutível dos espectadores.

Assim como outro filme semelhante,  “O mundo de Jack & Rose” com Daniel Day lewis, “Capitão Fantástico” peca talvez em vilanizar a sociedade atual para tornar atraente o estilo de vida alternativo. Quando sabemos que estamos fazendo a leitura apenas pela ótica de Cash, lembramos também das limitações da ótica de Ross, o que macula a existência do contrário muito feliz universo de sua família, fotografado belamente por Stéphane Fontaine.

Ainda que tenha seus personagens superficiais – os avós são um ótimo exemplo – sua preocupação com os personagens principais compensa a falta de profundidade dos demais.  Tecnicamente eficaz, com um roteiro inteligente apesar de limitado e com atuações emocionantes, o filme de Ross injeta um novo gás ao eterno conflito entre a vida no campo e a vida na cidade. Na trajetória para entendermos os princípios da liberdade – conceito o qual concebemos mas nunca de fato compreendemos – erramos e perdemos parte de nós, apenas para dar lugar a algo que nos torne melhor, de alguma forma mais livre. Que nos dê as rédeas das nossas vidas e nos faça capitães de nossas escolhas. Por levantar questões como esta e apesar de pequenas imperfeições que só aumentam sua singularidade, o filme de Matt Ross permanece uma experiência nada menos que fantástica.

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Thales de Mendonça tem 25 anos, é escritor e produtor audiovisual em São Paulo. Autor do livro de ficção científica “D3-VA”, trabalha no mercado há seis anos e escreve para o Cidadão Cultura às segundas feiras.

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