robertovictorioEstá sendo lançado o pacote contendo CD, Livro e link para um documentário (que será hospedado logo logo aqui neste site), contendo a Trilogia Bororo, pesquisa e composição do regente, compositor e músico Roberto Victório. Já aconteceu o lançamento em Belo Horizonte, vai rolar em Belém, Rio de Janeiro, Cuiabá dia 30 de setembro no Auditório do ECCO na UFMT (19:30h), e no final do ano em São Paulo.

Roberto não fez apenas uma música. Victório não fantasiou a música indígena. Ele mergulhou fundo e de lá das profundas águas Bororo, de onde se nasce e para onde se retorna, na crença deles, Roberto extraiu uma obra contemporânea ímpar, captando e interpretando a transcendência da música ritual do ciclo funeral Bororo.

Decifrou, decodificou, colou, recortou, remodelou, leu, releu, colocou na partitura uma trans-criação transcendente de uma música que é parte de um ritual profundo que abre as comportas da percepção para a espiritualidade humana. Um ritual complexo de encontro da etnia com sua cosmogonia. Da compreensão dos eternos ciclos da vida. Mundos paralelos, entre o carnal e o espiritual.

13989425_10202120283124531_637281287_nRoberto foi lá, nos escaninhos da mente profunda. Fuçou, escarafunchou e achou os pontos de conexão para criar a partir do ritual mais importante da etnia. A sua interpretação trafega pela possibilidade daquilo que transcende para além da mera materialidade. Na crença do Bororo, são tempos e universos coexistindo, uma crença imutável na concepção divina cantada e contada pelos antepassados, somos apenas matéria-corpo por onde a energia da música se expande, para a experiência transcendental da vida e do Universo.

quecorralavoz_cpfl_cultura_trio_sextante_topoAroe Jari é uma trilogia. Aroe-Jari, Aroe Enogware e Aroe Maiwu. Uma composição de câmara para instrumentos acústicos, instrumentos Bororo e eletrônica em tempo real.

Durante o ritual funerário tudo que acontece na aldeia tem como objetivo a preparação do morto para a grande viagem espiritual rumo a Morada das Almas. Que, na visão do Bororo, se localiza num plano paralelo situado logo acima, no plano superior e espiritual. Como um espelho de onde podemos enxergar nossa própria essência. Nas profundezas de nossas almas certamente está lá como a repousar nas águas o plano espiritual, que ascendemos quando abrimos as portas da percepção através da música dos cantos entoados à exaustão, através dos xamãs (aquele que enxerga no escuro), para evocar as forças invisíveis que estão a vagar pelas esferas.

Os xamãs praticam o estar em todos os lugares ao mesmo tempo. A sua observação é que define o que vemos. Sem a sua interpretação o mundo não é nada. São camadas de elementos mágicos que só com coragem para alterar a percepção é que poderá compreender.

vicRoberto desafiou as regras e trouxe como orientadores e parceiros nessa viagem, Elinho Kuruguga, o mais jovem bari (chefe espiritual) da etnia; Mestre Tadugo, cacique da aldeia de Garças que confeccionou os instrumentos Bororo para sua pesquisa-criação, e Mestre Formigão, chefe de canto no ritual.

O fato de assumir e legitimar o conhecimento dessas pessoas fora dos círculos acadêmicos gerou controvérsias na avaliação da pesquisa pelos acadêmicos que não aceitam orientações que não sejam do seu metiê. O maestro bancou e botou banca na banca, por que não? Enfim, foram figuras importantíssimas para o autor que valoriza todo o conhecimento emanado por eles e que só eles detêm.

A vasta obra musical do Roberto Victório é intensa e excessiva. Ele cria e produz muito, uma obra atrás da outra ou seria a variação da mesma obra em infinitos desdobramentos? São questões que perpassam minha cabeça neste momento.

Numa carta que Roberto recebeu recentemente, o musicólogo e regente nascido na Inglaterra, Graham Griffiths, que é um crítico e estudioso sério, fez uma leitura de sua obra colocando-a dentro de um contexto muito significativo. Transcrevo aqui um trecho importante que dá a dimensão dessa Trilogia Bororo.

robertovic“Parabéns pela composição desta Grande Música, Roberto. Realmente, no meu ver, a Trilogia Bororo deve ser uma das músicas mais significativas da história da música brasileira. Não brinco não. Com certeza, esta música sua está no patamar das mais elevadas realizações/sagradas do Padre Jose Mauricio, por ex. Missa da Santa Cecilia; Requiém; Oficio dos Defuntos; e do Villa Lobos por ex. os grandes Choros ‘indígenas’ para coro e orquestra.

Porém, veja bem, a sua música não é uma ‘fantasia indígena’ como a de V-L, mas é mesmo The Real Thing, baseado em pesquisa etno-musicológica, em gravações, em conhecimento e em respeito. Assim, é uma homenagem muito digna ao universo da cultura indígena brasileira. E também um Hino à religiosidade profunda do povo brasileiro. E uma grande realização cultural/espiritual. Parabéns a todos envolvidos. Sobretudo, parabéns a você, Roberto.”

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