Por Isabela Bonilha*

Sempre gostei de inutilidades. Pra mim, as coisas inúteis são aquelas que nos ligam à beleza da vida e à alegria que, como alguém escreveu (agora não consigo lembrar quem), é o único sentimento perfeito. Guardo então, numa caixa em formato de coração, minhas coisinhas inúteis, para os momentos em que for preciso usá-las. Explico: as coisas inúteis guardam em si utilidades incríveis, voltadas ao coração. Assim, nesta caixa permanecem antigos acessórios de carnaval, cartas que recebi na adolescência, papéis de bala que já me esqueci de quem ganhei, canhotos de cinema de algum filme assistido em uma época perdida no tempo. Às vezes, minhas inutilidades me reencontram comigo mesma.

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Porém, apesar de sempre ter amado o inútil, este tempo me enfastia justamente pelo seu acúmulo exacerbado de inutilidades. Contraditório, dirão, mas o que realmente me entristece são as inutilidades que adquirimos acreditando ser úteis. A começar por mim. Há três meses, depois de analisar minhas finanças, meu guarda roupa lotado, e minha mesa de estudos cheia, fiz um propósito: parar de comprar.  Essa decisão (que tomei com uma dificuldade que ainda sustento) começou a mexer com minha forma de viver e ver as coisas.

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Hoje acordei cansada do mundo, cansada de tudo, tomei café e voltei pra cama. Mais tarde, ao despertar de novo e me olhar no espelho, me deparei com a grande surpresa que recebo todas as manhãs, mas não tenho tempo ou estado de espírito para reparar: eu sou humana. Irremediavelmente humana apesar de tudo. Apesar de toda maquiagem, condicionador, tonalizante, xampu hidratante anti-caspa, sabonete desincrustante, sabonete anti-oleosidade, papel higiênico com cheiro de flores silvestres, lencinho umedecido pra tirar suor, desodorante, açúcar esfoliante, creme hidratante, AH, MEU DEUS, COMO EU SOU TÃO HUMANA. E eu acordo com a cara amassada do lençol e bafo amanhecido, e eu faço um xixi escuro porque passei a noite toda segurando, e faço cocô e sangro todo mês um sangue de ferro apesar de todo absorvente com cheirinho de ET, sou tão humana e tenho rugas que começaram a aparecer agora, apesar de minhas espinhas ainda não terem ido embora, eu sou humana. E se eu ficar um dia sem tomar banho EU VOU FEDER.

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Tão humanos e nos esquecemos, achando que aulas de spinning, jump, termogênicos, falar francês, meditação, religião, álcool, drogas, camisinha sabor morango, depilação a laser, silicone, bichectomia, alimentação natural feita em laboratório, comer carne, não comer carne, comida japonesa, escova inteligente, chapinha, cachos naturais, filtro dos sonhos, spirulina, ter 40 pares de sapato para apenas um par de pés, mil likes em uma foto no instagram, doutorado, mestrado, faculdade na Federal, vão nos livrar de sermos o que somos: SERES HUMANOS QUE CAGAM UMA VEZ POR DIA E FEDEM SE NÃO TOMAREM BANHO.

Abro minha caixinha de inutilidades, tão mais úteis que tanta coisa que eu já comprei e ficaram jogadas no fundo de uma gaveta qualquer. Tomo um banho e escovo os dentes pra não feder, faço a cama e ligo a TV. Já me sinto um pouco melhor.

*Isabela Bonilha - Formada em Letras Português e Literatura pela UFMT, professora, 
escreve desde os oito anos. Tem um blog que nutre desde os 13: Um Vagabundo e 
as Estrelas. Apaixonada por arte, gosta de pintar, costurar, customizar e 
alterar coisas ao redor, mas se encontra mesmo na escrita. Escreve para espantar 
os fantasmas da Depressão que vem desde a infância. Seu cenário é o Cerrado e a 
cidadinha de Guiratinga, na qual nasceu e foi criada.

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