Meu primeiro contato com seu nome foi através do livro autobiográfico da cantora Patti Smith, “Só garotos”, que ganhei de aniversário do meu querido amigo Pedro. Jovens, amigos e amantes, descobrem Nova Iorque juntos e crescem com a cidade. Ambos descobrem seus caminhos e descaminhos, mas permanecem sempre amigos. Robert Mapplethorpe assume sua homossexualidade e sua arte considerada obscura, subversiva e que geraria ainda mais polêmica após a sua morte.

Mandatory Credit: Photo by Richard Young/REX/Shutterstock (104428a) Robert Mapplethorpe ROBERT MAPPLETHORPE EXHIBITION AT THE ICA, LONDON, BRITAIN - NOV 1983
Photo by Richard Young/REX/Shutterstock 
Robert Mapplethorpe
ROBERT MAPPLETHORPE EXHIBITION AT THE ICA, LONDON, BRITAIN – NOV 1983

Criado em uma família católica, no livro Patti conta que Robert fez questão de apresentá-la aos pais como sua esposa. Ela também narra a busca e a descoberta na fotografia, quando foi a primeira modelo a posar para suas lentes. Antes de começar a fotografar com uma polaroid, Robert já trilhava sua história nas artes visuais com seus desenhos, e desde essa época Patti percebe a sua conexão com o profano em contraste com a religião.

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Patti Smith

Outro personagem importante na vida de Robert é Sam Wagstaff, colecionador e curador de arte, que investiu e influenciou em toda a sua obra. Foi seu grande companheiro na vida e no trabalho. A história dos dois é tema do documentário “Black White + Gray”, que assisti recentemente. Com uma diferença de idade de mais de vinte anos, os dois nasceram no mesmo dia: 4 de novembro. Se estivesse vivo, Robert completaria 70 anos.

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Considerado controverso (e ele gostava disso, e de sua dualidade também) Robert Mapplethorpe chamou a atenção em 1977 ao fazer duas exposições simultâneas em Nova Iorque, uma na galeria comercial “Holly Solomon” e outra em um espaço de arte alternativo “the Kitchen”.

Na primeira estavam seus retratos enquanto a segunda mostrou seleções do seu “Portfolio X”, uma separação declarada da aceitação mainstream e da resistência underground. Marcando a separação das exposições, Mapplethorpe criou um duplo autorretrato, algo como que para firmar sua própria dualidade, seus múltiplos alter-egos.

“Em um retrato usa uma camisa e um relógio da Cartier, no outro usa uma luva de couro e bracelete de metal, ambas as fotografias só mostram sua mão escrevendo a palavra: “pictures” – mostrando a noção de que respeitabilidade e perversão são dois lados da mesma moeda”.

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Robert Mapplethorpe criou suas séries Portfolio X, Y e Z, que contrastam totalmente entre si, demarcando em definitivo a sua dualidade na arte. Portfolio Y são imagens de flores, em um fundo preto como nenhum outro (era assim que Sam Wagstaff classificava suas fotografias P&B), e Portfolio Y são os nudes de homens negros.

Portfolio X é a sua série mais ousada. Seus retratos em preto e branco são utilizados para mostrar cenas meticulosamente compostas que vinham de sua imaginação. Fotografias de S&M (sadomasoquismo) revelam este lado do fotógrafo, em explorar temas católicos e familiares na história da arte: a transcendência da carne, transgressão, punição e confissão, agonia e êxtase.

O curador e historiador da arte Germano Celant observou que o trabalho de Mapplethorpe possui uma densidade espiritual, mas em uma conexão com o lado mais obscuro da religião, como se fosse um catolicismo inverso, caracterizado pela atração pelo demoníaco, pela violência, pela humilhação, em uma busca, uma visão de redenção, convertendo o sofrimento em graça através da beleza e do equilíbrio.

Para Mapplethorpe, a melhor metáfora para esta conversão era o sexo, mais precisamente o sexo sadomasoquista, o qual perseguiu intensamente como voyeur e participante durante um período de mais de três anos no fim da década de 70.

Brian Ridley and Lyle Heeter 1979 Robert Mapplethorpe
Brian Ridley and Lyle Heeter 1979 Robert Mapplethorpe

“Portfolio X” é resultado desta experiência e é comumente tratado como uma anomalia, um subtema de todo o conjunto de sua obra, que consiste em sua maioria de fotografias de nu clássico, flores e retratos de celebridades, geralmente para minimizar este rompimento com o outro lado, considerado mais saudável da sua carreira artística. Mas as figuras de sexo, como Mapplethorpe as chamava, são essenciais para o todo, como ele mesmo demonstrou em sua persistência de trazê-las para o centro de sua arte.

m2011_30_75_2-webEm 1989 faleceu vítima da AIDS. Naquele mesmo ano foi organizada uma retrospectiva do seu trabalho com 175 fotografias reunidas na exposição “O momento perfeito”, que percorreu várias cidades dos Estados Unidos. Mas, foi em 1990, ao chegar em Cincinnatti que sua série de fotos S&M começa a repercutir como polêmica em todo o país.

Considerada obscena e ofensiva, a exposição foi cancelada no The Corcoran Gallery of Art e devido aos protestos, o diretor foi demitido. Porém, suas fotografias estavam em exibição no Contemporary Arts Center (CAC), e causaram pela primeira vez na história dos Estados Unidos, um processo ao museu e ao diretor, Dennis Barrie. Era o julgamento da arte.

Alan Lynes 1979 by Robert Mapplethorpe
Alan Lynes 1979 by Robert Mapplethorpe

Um júri formado por fotógrafos analisou todo o conjunto da exposição de Mapplethorpe e decidiu por unanimidade, que suas fotografias são artísticas. Do total de 175 fotos, seis foram consideradas obscenas. Depois do julgamento da arte, a série Portfolio X só viria à luz do público 25 anos depois, em 2015. E mesmo após todo este tempo, seu trabalho continua chocante. Afinal, a arte deve gerar desconforto, questionamento, reflexão.

PS: Para os mais fortes, na galeria tem uma das fotos mais impactantes de Mapplethorpe (um autorretrato em que ele sodomiza a si próprio).

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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