Por Luiz Renato de Souza Pinto

Quando penso que antigamente encontrávamos pessoas de todas as idades que declamavam trechos inteiros de Os Lusíadas, fragmentos homéricos da Divina Comédia, sonetos encantatórios de Augusto dos Anjos e Bocage, soam como pobreza sem igual os tempos de hoje. Se dermos ao povo uma boa literatura ele apreciará, mas se a ele deixarmos a palavra fácil, a rima lógica e barata, ao invés de um estribilho perolado, continuaremos a reproduzir nos moldes tecnológicos os mesmos males de que padeceu a humanidade nos tempos cavernosos da idade média.

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Walter Benjamin

A visão de Walter Benjamin, largamente difundida a partir de suas teses sobre a História, constituída por textos pequenos, como fragmentos, representam algumas ruínas de certo pensamento alegórico. O crescimento de bibliografia sobre o alemão nos coloca em meio a uma infinidade de possibilidades de escolha, o que também denota algum perigo metodológico sobre o qual é preciso estar atento. O Brasil é um dos países em que mais se estuda sua obra na atualidade. O hermetismo de algumas de suas ideias coloca entre dois extremados pontos de vista. É praticamente impossível ser indiferente perante tal pensamento: ama-se ou odeia-se seu cabedal.

Ao falarmos de Crítica Sociológica, deparamo-nos com um problema metodológico que, por trás do método, apresenta uma couraça preconceituosa com relação ao binômio texto/contexto. Se, por um lado, a crítica impressionista e o biografismo tornaram-se obsoletos, a de base sociológica tem certa capacidade de se adequar às mudanças; que o diga Antonio Candido de Mello e Souza.

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Antonio Candido de Mello e Souza

Com uma infinidade de livros publicados, Candido deixou sua marca, imprimiu um conceito no universo da crítica literária e mesmo entre seus opositores deixa marcas fortes pela lisura do traço e observação precisa. Dissertando sobre O Direito à Literatura, por exemplo, propõe todo um percurso digressivo ao redor do tema sem promover o cansaço e desinteresse no leitor, a quem trata com dedicação. O prazer da escrita e da leitura são partes integrantes do processo de interação obra/autor/leitor. Em uma leitura atenta desse escrito, encontramos uma infinidade de referências e elementos intertextuais que nos possibilitam inúmeras leituras.

De que barbárie nos fala Candido? Das remotas e imemoriais disputas entre a sociedade ateniense e espartana, por exemplo? Ou de um pensamento que nos remete a Walter Benjamin, com a edificação de suas ruínas sobre as quais se erguem monumentos de outra barbárie? Benjamin e Candido se completam em vários aspectos para uma discussão dessa natureza, e a reprodutibilidade técnica da obra de arte, anunciada por Benjamin na década de 30, consolida-se na observação atenta de nosso grande crítico literário de todos os tempos.

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Núcleo Fundador da Escola de Frankfurt, 1923

A questão mimética se coloca como algo a ser observado no processo de leitura/escrita. Em tempos de uma cultura de massa vislumbrada pela Escola de Frankfurt, mas com muito mais “adornos”, o que Benjamin preconizava parece brincadeira de criança. A arte e a duplicação em massa (leia-se “gifs” e “memes”), por exemplo, colocando-se para um imenso exército de consumidores sob a ótica da popularização de qualquer produto até parece natural, em se tratando do reflexo produzido nas escolhas dos consumidores.

Benjamim não vivera o suficiente para conhecer o potencial dos meios de comunicação de massa, mas parecia intuir essa guinada nos valores estéticos da obra de arte. Personagem a parte na história do judaísmo do século XX, judeu sem ser sionista, marxista, sem ser revolucionário; pós-moderno sem utilizar do rótulo, esse é Walter Benjamim. O difícil é definir o seu papel na sociedade contemporânea; quer seja do ponto de vista da Crítica Literária, da Filosofia da História, ou até mesmo da Comunicação e Semiótica. Uma linhagem de crítica que não observe determinados aspectos relevantes que se encontram à fronteira do texto literário corre o risco de não compreender determinado aspecto do pensador.

Parece natural observar as contradições do mundo moderno (ou seria pós-moderno?) a partir dessas referências iniciais. Vemos os ícones do pensamento ocidental, a filosofia canonizada, os estetas que habitam as mais altas torres de marfim e os fascinantes domesticadores das linguagens, nessa babel diuturna que se plasma pelo controle remoto de nossas casas.

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Leandro Konder

O encontro de Antonio Candido com Walter Benjamin não é de todo insólito, como se possa imaginar. No livro de Leandro Konder intitulado Walter Benjamin: o marxismo da melancolia (1999), Candido escreve um texto de apresentação publicado na orelha que parece perfeito para compreender essa relação. O apuro verbal e a delicadeza com que o mestre comenta a importância do livro são sublimes. Considera a obra como algo extremamente importante para a compreensão inicial do autor, “esclarecendo progressivamente o perfil de Walter Benjamin através das ideias, e mostrando a força atuante destas pela referência à personalidade”.

As descontinuidades históricas, observadas pelo filósofo da história também contaminaram o olhar do crítico literário. Leandro Konder conduz o leitor por um labirinto de sensações e imagens alegóricas que fazem de Benjamin um homem atento ao mundo de sua época, da qual se fez nobre tradutor. A observação dos mais leves movimentos históricos, em Benjamin, vem carregada de historicismo, de elementos servis de uma sociedade em decadência, analisada muito bem, em seus últimos textos, como por exemplo, Alguns temas em Baudelaire. Quer seja debruçando-se sobre o “spleen” de Paris, ou sobre a Melancolia I, de Duher, em Benjamin há uma forte convergência temática caracterizadora da crise da arte, dos valores humanísticos que se escondem nas ruínas do tempo. Talvez ele fosse bom demais para viver entre a gente por mais tempo.

*Luiz Renato de Souza Pinto é escritor, poeta, professor e ator. 

 

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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