Por Luiz Renato de Souza Pinto*

Larissa Silva Freire convidou-me recentemente para mais uma atividade no espaço Casa Silva Freire para o qual aceitei de imediato. Apenas disse a ela que gostaria de fazer algo que fosse diferente. E pensei em uma performance para a qual utilizaria outras linguagens que não fosse a expressão oralizada. Veio-me à cabeça que poderia deixar um poema escrito pelo chão e utilizaria o corpo, ou parte dele como condutor de sentido. Feito isso pensei em como fazê-lo.

Comecei juntando alguns objetos que tinha em casa e a partir do que o poema sugeria fui compondo o ambiente, primeiro em pensamento, para depois buscar visualizar o conjunto. Isso feito foi hora de colocar em prática. Lembrei-me de uma vez em que, para divulgar um dos shows do Caximir tive a ideia de ficar em cima de uma árvore por cerca de dez horas na entrada da UFMT, aqui em Cuiabá, panfletando. Os amigos iam e viam, traziam água e algo para comer. E o tempo foi passando. Até mesmo meu pai, movido por tamanha curiosidade passou por lá para ver se era verídico mesmo o acontecimento. Foi divertido.

farolPois bem. Desta feita, levei para o espaço as bugigangas e comecei a montar o cenário. Colei no chão os pedaços do poema, montei a barraca, coloquei no cenário um farol de carro quebrado e amarrei nele a corda. Quando estava tudo pronto avisei a Keiko Okamura, que estava na produção do evento, que iria começar e que ficaria naquela posição por cerca de uma hora e quinze minutos, dentro da barraca e apenas com a perna para fora, amarrada à corda ligada ao farol.

bellaQuando fazemos coisas desse tipo devemos esperar qualquer tipo de reação, mas confesso a vocês que estava despreparado para o inusitado. Quando estávamos com mais ou menos vinte minutos de exposição, algumas crianças motivadas por adultos que fizeram uma leitura diferente da minha para a apresentação, começaram a puxar a corda tensionando a minha perna e tentando arrancar-me de dentro da barraca, gerando certo desconforto, pois à medida que puxavam iam apertando a corda em meu tornozelo. Penso que aguentei por uns dez minutos, mais ou menos, até desistir.

A lição que tirei dessa experiência foi a de que ao prepararmos qualquer tipo de intervenção em caráter experimental, precisamos saber que, como dizem algumas teorias linguísticas, o leitor é um criador de significados. É isso: a dor dos outros necessariamente não dói na gente.  Transcrevo abaixo o poema para que cada um tire as suas conclusões…

A corda, o farol…

Enquanto o povo dorme

A horda

Aniquila o patrimônio

Aquele que não pinta, borda!

Acorda, o arrebol…

A luz que lança brilho à sombra

Espanta o trigo que germina

E amarela a terra

Grão por grão…

Acorda, o sol

Esquenta o frio que encolhe a alma

E o monstro subterrâneo

Que o caldo entorna

Fome de mim

Acorda, Gogol…

Que o realismo se fantasmagore

E o laço firme da concórdia se materialize

Que a catarse imaginária do momento

Transforme o hipotético tormento

Acorda, o farol…

Que arrasta o machado contra a foice

E abençoa dos cavalos mais um coice

O relógio imaginário, derretimento longitudinal da cordilheira

Última centelha

foi-se…

A corda

O farol…

*Luiz Renato de Souza Pinto, professoratorperformáticopoetaescritorbotafoguense

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

3 Comentários

  1. ” Que arrasta o machado contra a foice

    E abençoa dos cavalos mais um coice

    O relógio imaginário, derretimento longitudinal da cordilheira

    Última centelha

    foi-se… ” ( a poesia aqui se fez )

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