O mesmo caminho, no mesmo horário, com a mesma pressa. Corro dia após dia atrás dos ponteiros de um relógio imaginário, num tempo artificial que insiste em não fazer sentido. A catarata da rotina, antes de tomar forma em olhos opacos que enxergam o nada, deforma o que está por trás, por cima, por baixo. Os corpos esquálidos estendidos nas calçadas já não passam de um borrão escuro, excremento da rua, refugo da cidade. Seres que já não são.

Foto: Rodolfo Perdigão

Nas madrugadas regadas a vícios, nos suados meio-dias ou nos suspensos fins de tarde, quantos choros são engolidos detrás de qualquer parede? Quantos meio-atos-quase-ejaculados, gatos em cima do muro, palavras que entopem como pão seco a garganta do oprimido? Pra fazer descer o pão, agradar o cão, braços abertos ao abraço etílico. Proponho então um brinde. Um brinde aos inconformados, aos desgarrados, um brinde à todos os dissonantes. Àqueles que arrancam com unhas afiadas a fina película que nos separa uns dos outros.

Compartilhe!
Às vezes arrisco palavras. De resto, imagético.

2 Comentários

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here