Tem um momento na vida que o autor salta da gaveta e ganha a sala, o quarto, a cozinha, o quintal e vaza pra rua. A poesia está no ar! Salve salve o poeta mato-grossense Matheus Gumenin, que, ao que tudo indica, vai ganhar o Brasil e o mundo. Eu diria que já está ganhando. Já atravessou mares e oceanos e já dá até um beliscão em terras portuguesas: -Ei, estou aqui!.

POEMA DO AMADO PARA SEU AMADO

“Penteei-me para o rei
Mas foi ao escravo que dei as tranças do meu cabelo”
– Ana Paula Tavares, Manual para amantes desesperados, 2007.

a)

os dentes
teus amanhecem quando me veem
e compreendo
o inerte ofício das pedras
– plenas completas alegres.

b)

a voz amanhece na tua boca
ilumina: da garganta
ruminando o que não fora dito,
inaudito, e o que se ficou por dizer

pois

a voz amanhece na tua boca
e o contorno do sol posto
fica pregado
fica pregado
nas pálpebras

fechadas de pôr do sol

c)

e tua boca anoitece
quando o silêncio pousa e faz ninho nos teus lábios

até que
então nasce outra vez
o sol
da tua garganta áspera
raia outra vez, já à espera paciente
da hora de se pôr

flor
que anoitece

– e o eclipse do corpo meu
é violento

*

São Paulo – Cuiabá – São Paulo, este é um movimento histórico que vai confirmando uma mudança de tendência. Explico: gerações passadas de cuiabanos e mato-grossense tinham como ponte aérea, ou marítima, o Rio de Janeiro, ainda tem resquícios disso, mas agora o movimento maior é Cuiabá – São Paulo, capital cultural do país. Nada mais natural, o reverso da história, são os novos bandeirantes, só que, daqui pra lá. Músicos escritores poetas, jornalistas, o movimento é grande: Macaco Bong, Bruno Kayapi, Hélio Flandesrs, Reginaldo, Dafré e turma Vanguart, Theo Charbel, Marjorie Jorie, Capileh Charbel, Jade, Paulo Monarco, Marianna Marimon, o próprio poeta Matheus, mais uma penca de gente.

Fugi do tema como o diabo da cruz na terra do sol. Mas vamos lá, tem poesia das boas que vem sendo saudada efusivamente por aí. Saiu o livro do Matheus que terá uma distribuição nacional, pela 7Letras, editora do Rio de Janeiro que tem um merecido status de só publicar coisas boas. É uma editora sofisticadíssima e que corre por dentro e por fora, advém dos movimentos literários recentes com a alcunha de editora independente, em que pese a dificuldade para definir isso. Uma tradição realçada no Brasil a partir dos anos de 1980, com a reabertura política.

Matheus

matheusMatheus Guménin Barreto nasceu em Cuiabá (1992) e mora há sete anos em São Paulo, onde cursa pós-graduação em tradução de poesia alemã na USP. Entre 2014 e 2015 morou em Heidelberg (Alemanha), onde estudou as literaturas alemã e inglesa.

Seu livro A máquina de carregar nadas vai ser lançado dia 4 de agosto na livraria Tapera Taperá (SP). Após esse primeiro lançamento, haverá outros em Porto Alegre, Cuiabá e Rio de Janeiro (datas a definir).
O livro tem 98 páginas e sua orelha é assinada pelo Bruno Rosa, filósofo doutorando da USP e ele mesmo grande poeta (ainda não publicado). O texto da orelha é este:

A máquina de carregar nadas” – na topografia do imenso arquipélago da literatura contemporânea, este livro aflora como uma ilha muito singular: seu território está cercado de silêncios por todos os lados. E como a ilha é varrida pelos ventos, esse livro é ventilado por correntes de ar que procedem do que de mais valioso se produziu em nossas letras, e não só nelas, está claro. O lirismo é drummondiano, a contenção e a paciência da composição, cabralinas, a experiência de livro como uma máquina que mói silêncios e barulhos, gullartiana, a sintonia fina com as ventanias que varrem o mundo, alisam as praias, breyneriana; e essa sensação aguda de que a poesia pesa o peso de um nada, mas um nada tão pleno que, ao ser acolhido em palavras, faz dessas não a tradução de um silêncio, mas a experiência do mesmo, essa virtude é a do autor deste livro. Que não se engane, pois, o leitor: o peso do nada que o homem leva, do silêncio que a palavra é, esse peso está medido em cada verso aqui presente. Este é um livro denso.” (Bruno Rosa, doutorando em Filosofia na Universidade de São Paulo [USP])

Tudo isso confirma a qualidade desse jovem poeta que respira e transpira poesia. É muito bacana perceber seu crescimento numa área tão difícil e complicada como a literatura, principalmente a poesia. Arte difícil e trabalhosa. É preciso aprender as delícias da linguagem da poesia, de manipulação mágica, sensível, matemática, imagética e musical das palavras. Coisas de alquimista!

Alguns poucos poemas do A máquina de carregar nadas foram já publicados em jornais e resenhados em Portugal e aqui no Brasil (São Paulo e Mato Grosso, por enquanto). É possível ler esses poemas e as resenhas neste site onde se reúnem algumas coisas que saem sobre o autor: https://matheusgumenin.com/

Comentário

  1. não conhecia o Matheus, bela surpresa com esses poemas do site aqui exposto, este aqui é uma delícia :
    PARA O POEMA DESTA PÁGINA
    “Dedicado a Matilde Campilho, que sem saber me ensinou.”

    para o poema desta página:
    a – abrir a janela mais próxima
    b – faltando a janela, criar uma
    c – ver: flor. ou muro. ou golfo. ou merda. ou um casal descobrindo o mapa-múndi no corpo um d’outro.
    d – repetir os passos anteriores.

    *

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